segunda-feira, outubro 25, 2004

LUGARES COMUNS (Lugares Comunes)



Ultimamente não ando nos meus melhores dias. Aliás, já faz algum tempo que venho andando com uma nuvem negra sobre minha cabeça. O que mais tem me afligido atualmente é o meu problema de saúde. Desde maio que venho lutando contra uma L.E.R. Os sintomas mudaram com o passar dos meses. Agora, por exemplo, a tendinite no braço foi embora e deu lugar à bursite e a uma desagradável sensação de tontura e enjôo em menos de meia hora de utililização do computador. Por isso, tenho diminuído consideravelmente o tempo que passo à frente do PC. Tenho saudade, por exemplo, do tempo em que passava horas conversando com os amigos pelo MSN/ICQ. Só me resta, então, continuar o tratamento à base de acupuntura e fisioterapia e torcer pra que eu fique curado o quanto antes. Para uma pessoa que não tem tanto prazer em escrever, isso talvez não fosse tão dramático, mas pra mim isso é perturbador e tem me deixado bem deprimido. Foi nessas circunstâncias que saí de casa no sábado pela manhã, com dores no corpo feito um velho com reumatismo, para ir ver o belo LUGARES COMUNS (2002), de Adolfo Aristain.

Não foi difícil me identificar um pouco com o protagonista, o professor de literatura interpretado pelo grande Federico Luppi, veterano ator que já trabalhou com Guilhermo Del Toro em seus melhores filmes - CRONOS (1993) e A ESPINHA DO DIABO (2001). O personagem se vê num beco sem saída quando é obrigado a se aposentar da universidade em que leciona. Aposentar-se na Argentina, como no Brasil, é uma situação delicada: o trabalhador tem a sua renda diminuída consideravelmente e é obrigado a cortar mais e mais gastos. Some-se isso tudo ao estado de saúde delicado em que se encontra o professor, que insiste em fumar e beber para diminuir as frustrações.

Seu relacionamento com a esposa é uma das coisas mais bonitas do filme. Ela é interpretada pela ótima atriz Mercedes Sampietro, que chegou ser premiada em três festivais diferentes só por esse papel - ela ganhou prêmios em Gramado, San Sebastian e no Goya, que na verdade não é um festival, mas uma espécie de Oscar espanhol.

O filme, a exemplo de AS INVASÕES BÁRBARAS, de Denys Arcand, fala sobre a geração de intelectuais que nos anos 60 tentou achar soluções para os problemas do mundo através do comunismo/marxismo/socialismo e hoje se sente vencido pelos poderosos capitalistas, que até permitem a existência de uma esquerda, já que ela não incomoda mais ninguém. Por isso, há no filme essa amargura, essa sensação de sonhos naufragados.

A morbidez e a melancolia andam lado a lado com a ternura, como na cena em que a esposa, vendo o marido dormindo no sofá, diz baixinho: "por favor, não me deixe só"; ou na cena em que ele, ao flertar com outra mulher, confesa que nunca jamais encontrou outra mulher que se equiparasse à sua própria esposa, mas que ele sempre tivera a dificuldade de expressar o seu amor verbalmente. Essas são apenas duas das várias seqüências cheias de lirismo em que o filme se apóia.

Nos últimos anos tive o prazer de ver três pérolas do cinema argentino: UMA NOITE COM SABRINA LOVE (2000), de Alejandro Agresti, O FILHO DA NOIVA (2001), de Juan José Campanella, e KAMCHATKA (2002), de Marcelo Piñero. Além de contar com um elenco excepcional, esses filmes são extraordinariamente bem dirigidos e de narrativa deliciosa. Até dá uma pontinha de inveja dos argentinos - aparentemente o cinema de lá está muito melhor do que o nosso.

O filme faz parte de uma mini-mostra que o Cinema de Arte está promovendo. Os próximos filmes serão HISTÓRIAS MÍNIMAS, de Carlos Sorin, DO OUTRO LADO DA LEI, de Pablo Trapero e VALENTIN, de Alejandro Agresti. Tenho a intenção de ver todos eles.

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