sábado, julho 10, 2004

A NOITE (La Notte)



Para o fim de semana, aluguei alguns filmes um pouco "difíceis". A NOITE (1961), de Michelangelo Antonioni, foi um deles. Fazia tempo que eu tinha vontade de ver esse filme, desde o início da minha cinefilia, mas com o tempo, e talvez por não ter entrado no clima de O DESERTO VERMELHO (1964) e ZABRISKIE POINT (1970), perdi um pouco a vontade de acompanhar a filmografia de Antonioni. O que me impulsionou a alugar o DVD foi a edição caprichada da Versátil, que traz junto com o filme um excelente documentário sobre as obras do diretor. O documentário, feito pela televisão RAI, chama-se MICHELANGELO ANTONIONI: O OLHAR QUE MUDOU O CINEMA e contém pequenos trechos de todos os seus filmes, além de comentários do próprio diretor sobre cada filme, exceto ALÉM DAS NUVENS (1992), já que nessa época ele já estava com dificuldades de falar por conta do derrame que o afastou das câmeras.

A NOITE é o segundo filme da "trilogia da incomunicabilidade" de Antonioni. Vendo esse filme foi que eu vi o quanto Walter Hugo Khouri era influenciado pelo diretor italiano. A NOITE lembra de cara NOITE VAZIA e O CORPO ARDENTE, dois filmes sessentistas de Khouri. Estão lá: o jazz, a alta sociedade, a angústia, o desejo sexual, o clima transgressor da época. Já sabia que Khouri era seguidor de Antonioni, mas não imaginei que fosse tanto assim. (Se bem que eu ainda continuo preferindo Khouri.)

Em A NOITE, Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau são o casal em crise que vai a uma festa promovida por um milionário de Milão. Pouca coisa realmente acontece no filme, que tem um andamento bem lento, o que pode deixar espaço para o espectador se dispersar se ele estiver com alguma preocupação na cabeça. As ações acontecem mais na cabeça dos protagonistas. Isso exige do espectador uma certa sensibilidade para entender a psicologia dos personagens apenas pela força das imagens. No filme, há uma participação memorável de Monica Vitti, a musa de Antonioni na época. O cineasta fez quatro filmes seguidos com ela: a trilogia da incomunicabilidade e O DESERTO VERMELHO. Posteriormente ela ainda apareceria em O MISTÉRIO DE OBERWALD (1980). Em A NOITE, ela faz o papel da sensual Valentina, personagem que desperta o desejo de Marcello Mastroianni. Assim que ela surgiu, fiquei me perguntando se ela não foi a inspiração para a criação homônima de Guido Crepax.

Pra terminar, palavras do próprio Antonioni, defendendo o tipo de cinema que fazia, em oposição a um cinema mais comercial:

"Pra mim, o cinema nem sempre é espetáculo. Ninguém pode afirmar que o cinema é só e exclusivamente espetáculo. O cinema pode ser narrativo. Por que não? Quem o pode impedir? Assim como é permitido a um escritor se alongar em certos trechos para melhor analisar a psicologia de determinados personagens, penso que também no cinema se possa fazer o mesmo. (...) Pra mim a realidade tem uma cadência diferente. A vida tem momentos diferentes. Em alguns momentos, é impetuosa, em outros é estagnante; portanto, por que evitar os momentos estagnantes?"

Nenhum comentário: