terça-feira, julho 27, 2004

FESTIVAL LUIS BUÑUEL

Pode-se dizer que esse ano foi pra mim o ano em que eu me aprofundei em Luis Buñuel. Quer dizer, ainda falta muito pra aprender. Teria que ler livros dele e sobre ele, tentar estudar mais sobre a história do Cristianismo e sobre Surrealismo, procurar compreender os significados de seus filmes mais difíceis. Mas tudo a seu tempo.

Depois das cinco pérolas da fase mexicana que tive o prazer de ver em junho, engrossa a minha lista de filmes vistos mais essas três obras-primas realizadas na Europa. Abaixo, um pouco de minhas impressões.

VIRIDIANA



Em 1961 Buñuel volta para a Espanha para dirigir VIRIDIANA, filme que foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes. Apesar de ter o nome laureado, o governo da Espanha parece não ter gostado do filme. Como Buñuel era crítico feroz de toda forma de repressão, um governo repressor não podia vê-lo com bons olhos.

Na história, que guarda semelhanças com NAZARIN (1959), Viriana (Silvia Pinal) é uma noviça que vai visitar o tio (Fernando Rey) e se ausenta um pouco do convento. O problema é que o velho tenta estuprar a moça enquanto ela está dormindo. Depois da morte do tio, ela abandona o convento e passa a morar na casa do velho, abrigando os mendigos da região. Acontece que os mendigos, mal agradecidos que são, fazem da casa um verdadeiro caos. Inclusive, na cena do jantar dos mendigos, que parodia a Última Ceia de Da Vinci, ouve-se até Halleluia, de Handel. Francisco Rabal também está no elenco como o primo de Viridiana. Outras tiradas geniais são a cena do gato avançando em cima do rato, logo após a cena de Rabal dando em cima da empregada, além do famoso cruxifixo-canivete.

Talvez esse seja o primeiro filme de Buñuel que tenha um elenco mais conhecido e que trabalharia novamente com o diretor. Silvia Pinal ainda iria aparecer em O ANJO EXTERMINADOR (1962) e SIMÃO DO DESERTO (1965). Fernando Rey é considerado o melhor ator espanhol de todos os tempos e ficaria ainda famoso repetindo o papel de velho tarado em TRISTANA (1970), O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA (1972) e ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO (1977). Francisco Rabal que já tinha dado as caras em NAZARIN, apareceria ainda em A BELA DA TARDE (1967). Ele também está em CABEÇAS CORTADAS (1970), de Glauber Rocha.

Visto em DVD da Versátil.

VIA LÁCTEA / O ESTRANHO CAMINHO DE SANTIAGO (La Voie Lactée / La Vía Láctea)



Acho que esse é o filme mais difícil do Buñuel. Dentre os filmes que abusam do surrealismo e dispensam a narrativa convencional, VIA LÁCTEA (1969) é filme irmão de O FANTASMA DA LIBERDADE (1974 ), ainda que eu prefira o último, que tem mais cenas engraçadas. Eu senti falta de conhecer um pouco mais da história da Cristandade, dos dogmas da Igreja Católica e da época da Inquisição.

No final do filme, Buñuel explica que todos as citações foram retiradas de livros antigos e os dogmas apresentados são mesmo os da Igreja Católica. Acho que essa explicação seja mesmo necessária, já que algumas coisas são mesmo absurdas. Aquela história da transubstanciação, de acreditar que a hóstia é realmente o corpo de Cristo e não apenas um símbolo, é ridícula. E Buñuel faz rir de todas esses absurdos, ainda que na época a Igreja Católica tenha até gostado do filme, interpretando como uma obra respeitosa para a Igreja. Buñuel adorava ambigüidades. Achei interessante quando um dos peregrinos, ao ouvir uma explicação sobre a hóstia, chega para um padre e pergunta: "Padre, uma vez no estômago, o que acontece com o 'corpo de Cristo' ?" Fantástica a cena do padre querendo entrar nos quartos dos peregrinos para explicar a respeito da virgindade de Maria.

Além da linha principal dos dois peregrinos seguindo o Caminho de Santiago de Compostela, o filme apresenta várias vinhetas históricas que às vezes me confundiam. Aparecem Jesus e Maria, um homem sendo condenado à morte durante a Inquisição, o Marquês de Sade, um grupo de revolucionários matando o Papa, entre outras.

Bem que poderiam lançar uma versão em DVD desse filme com comentários em áudio do roteirista Jean-Claude Carrière.

Visto em VHS da Sagres.

ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO (Cet Obscur Objet du Désir)



Esse talvez seja o filme de Buñuel que mais me deu prazer em assitir, ao lado de O ALUCINADO (1953) e ENSAIO DE UM CRIME (1955). Um dos meus favoritos, com certeza. É filme irmão de A BELA DA TARDE, onde Buñuel mostra outra de suas obsessões: a mulher. É o filme mais paudurescente do diretor. E olha que ele já estava no final da vida e dizia que nem gostava mais de sexo.

É um Buñuel mais narrativo, o que me dá um prazer enorme, especialmente quando ele usa do recurso do flashback. Fernando Rey é o homem atormentado pela sedução e pelos caprichos de Conchita (interpretada por duas atrizes - Carole Bouquet e Ángela Molina). Ele conta para um pequeno grupo de viajantes a sua história com essa mulher.

Há diferentes maneiras de ver o filme. Pode-se sentir pena do homem, pode-se rir das suas desgraças ou pode-se pensar sobre fatores sobrenaturais impedindo a vontade do homem, como acontece em filmes como O ANJO EXTERMINADOR ou O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA. Por mais que tente, Mathieu não consegue fazer sexo com Conchita. As situações são absurdas e queria muito ver a reação de uma platéia no cinema, ao ver esse filme. Engraçado que eu me identifico um pouco com essa vontade de driblar o destino, de fugir às vezes do que me é imposto. E eu, assim como Mathieu, na maioria das vezes quebro a cara.

Grande filme. A última obra-prima desse gênio que morreria alguns anos depois, deixando essa filmografia espetacular e provocativa. Buñuel é meu ídolo.

Visto em vhs da Sagres.

Aproveito pra deixar aqui a lista de DVDs do Buñuel que foram ou serão lançados pela Versátil:

A BELA DA TARDE (em breve)
O ANJO EXTERMINADOR
VIRIDIANA
ENSAIO DE UM CRIME
SIMÃO DO DESERTO (em breve)
ESCRAVOS DO RANCOR (em breve)
O ALUCINADO
A ILUSÃO VIAJA DE BONDE
OS ESQUECIDOS

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