segunda-feira, dezembro 30, 2024
A HORA MÁGICA
Uma pena que um cineasta do gabarito de Guilherme de Almeida Prado não seja tratado com o devido respeito pela nossa “indústria”. A HORA MÁGICA (1999), um de seus filmes mais geniais e criativos, passou batido quando de seu lançamento nos cinemas e, infelizmente. nem ganhou uma edição em DVD, sendo possível vê-lo apenas numa péssima cópia distribuída na internet, ripada de uma exibição na televisão (*). E trata-se de um filme cuja qualidade plástica é necessária para uma melhor apreciação. Assim, sem poder vê-lo da melhor maneira possível, o que me restou foi ficar imaginando a maravilha que seria ver o filme na gloriosa tela grande. Mesmo assim, consegui apreciá-lo e ver o quanto é um grande trabalho.
O título “A Hora Mágica” aparece num cinema no final de A DAMA DO CINE SHANGHAI (1987), e o filme também fala de uma tal Dulce Veiga, que apareceria num filme que só seria concluído nove anos depois, ONDE ANDARÁ DULCE VEIGA? (2008), também restrito ao circuito alternativo e com poucas cópias distribuídas. Aliás, o próprio Almeida Prado, em seu livro Guilherme de Almeida Prado – Um Cineasta Cinéfilo, diz que não sabe fazer filmes populares. Em suas palavras, “meus filmes são do tipo que ninguém esperava ver ou, algumas vezes, nem queria ver”. Quer dizer, são filmes para um público bem específico, mais sofisticado, eu diria.
A HORA MÁGICA é baseado num conto do genial escritor argentino Júlio Cortázar, e mostra um ator de novelas de rádio (Raul Gazolla) que sempre interpreta o papel de vilão. Ele também complementa a renda dublando um ator de voz péssima no cinema. O filme se passa num momento em que a televisão estava prestes a chegar ao Brasil e que o rádio é que era ainda o grande meio de comunicação de massa. Há um crime que acontece no apartamento vizinho e logo depois ele conhece uma moça que lhe escreve cartas de amor e por quem se apaixona (Júlia Lemmertz).
Os dois ficam juntos, mas ele começa a suspeitar que ela tem algo a ver com o crime. Mas o interessante é que isso só a torna mais interessante aos seus olhos. E realmente Julia Lemmertz nunca me pareceu tão bela quanto neste filme de Almeida Prado. E vale dizer que a trama é menos importante do que o modo como o cineasta resolve contá-la, de maneira bem diferente do que se costuma ver.
John Herbert interpreta um colega de trabalho do protagonista, o sujeito que sempre pega o papel de mocinho da trama e que mais recebe cartas das fãs. Maitê Proença faz um papel duplo, mas é José Lewgoy quem rouba a cena nos momentos em que aparece, interpretando vários papéis. Imara Reis e Walter Breda, que trabalharam com o diretor em FLOR DO DESEJO (1984), aparecem em papéis de pequeno destaque, e Tânia Alves abre o filme com sua voz cantando um tango, com sua boca, destacada pela câmera.
* Texto publicado originalmente em janeiro/2012 na Revista Zingu! Depois, uma cópia em HD de A HORA MÁGICA estaria disponível para melhor apreciação do filme, coisa que ainda não o fiz.
+ TRÊS FILMES
AVENIDA BEIRA-MAR
Um filme que pode se dar ao luxo de ter Andrea Beltrão como coadjuvante. Ou quase. Quem guia a narrativa de AVENIDA BEIRA-MAR (2024) , de Maju de Paiva e Bernardo Florim, e nos convida a acompanhar essa história sobre solidão, amizade e aceitação é a adolescente vivida por Milena Pinheiro, que faz Rebeca, filha de Beltrão, num momento em que as duas estão se mudando para uma casa no litoral do estado do Rio, em Niterói. A jovem conhece Mika, uma menina trans de 13 anos que desafia os pais e a sociedade agressiva em sua volta. Uma das cenas mais representativas desse desafio é o jantar das meninas na casa de Mika, com os pais da menina que insiste em usar as roupas de sua irmã, em vez das roupas masculinas que lhe são destinadas. A escolha pela janela scope garante tanto uma aproximação maior dos personagens na lente quanto opções que valorizam a paisagem da praia e cenas internas, mais intimistas.
O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS
Terminando de ver este O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS (2024) fiquei me perguntando se o real motivo do relançamento de DURVAL DISCOS (2002) foi para lembrar ao mundo que Anna Muylaert não é a diretora desta coisa desengonçada e feia deste ano, mas, inclusive, a cineasta que estreou em longa-metragem com o pé direto com um objeto estranho, mas muito criativo e antológico, há 22 anos. Este novo filme me parece uma ideia ruim que se assemelhou em algum momento a uma ideia boa e que, dada a importância que a diretora ganhou ao longo dos anos, vide principalmente QUE HORAS ELA VOLTA? (2015), acabou juntando um elenco de notáveis numa piada de mau gosto. A trama se passa num universo em que as mulheres mandam e os homens são uma espécie que sofre abuso e obedece, inclusive, vestindo roupas que se assemelham às roupas femininas. Mas aqui as mulheres são tão tóxicas quanto os homens em seus piores momentos, e isso é mostrado de maneira bem caricata. O problema é que o filme não funciona nem como comédia pesada, nem como uma alegoria do abuso do sexo frágil, por assim dizer. Quando achamos que o filme não podia ficar pior, ele consegue terminar no fundo do poço.
MOTEL DESTINO
Uma das coisas que mais admiro no cinema de Karim Aïnouz é o quanto ele costuma levar suas narrativas seguindo mais uma intuição do que um pensamento racional. Por isso sua poética funciona tão bem em documentários ou trabalhos ensaísticos, como VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO (2009), NARDJES A. (2020) e MARINHEIRO DAS MONTANHAS (2021), embora nem sempre nas ficções, que às vezes carecem de maior cuidado na construção da trama e dos personagens. MOTEL DESTINO (2024) ganha muito quando entra em cena o personagem de Fabio Assunção, o dono de um motel numa cidadezinha litorânea do Ceará. Ele é o personagem mais complexo e mais interessante, enquanto Iago Xavier e Nataly Rocha fazem as vezes, em certo momento, de protagonistas de uma história que remete aos filmes noir, mas com um humor que desconcerta e talvez atrapalhe, na medida em que nos tira o suspense que supostamente poderia resultar dessa história. Porém, se vemos o filme como algo mais próximo de um ACOSSADO do que de um PACTO DE SANGUE, é possível aceitar melhor seu desenvolvimento e especialmente sua conclusão. Não compro, por exemplo, as falas finais do protagonista, ainda mais depois de uma sessão em que o público participou com muitos risos e gargalhadas. De todo modo, é um filme que tem uma singularidade que nos faz torcer pelo seu sucesso. Afinal, não é sempre que vemos uma obra que se permite entrar no funcionamento de um motel à brasileira. Ah, e quanto ao sexo, tenho também minhas reservas, já que, por mais que haja nudez frontal e certas liberdades, é como se houvesse ainda uma trava no que se refere à capacidade ou vontade de excitar a audiência. Ou talvez já tenhamos passado dessa fase.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário