sábado, dezembro 28, 2024

JURADO Nº 2 (Juror #2)



Fico pensando: será que não bate uma pontinha de arrependimento por parte desses novos executivos da Warner quando leem milhares de críticas sobre JURADO Nº 2 (2024) enfatizando o quão absurdo um filme como este ser lançado diretamente para compras online e depois em streaming? Eu nem queria ficar repetindo o que todo mundo já diz, mas talvez seja importante ser mais uma voz de indignação. Afinal, Clint Eastwood é certamente um dos cinco melhores cineastas americanos vivos e um artista que vem fazendo filmes relevantes em quantidade e regularidade incríveis, mesmo com a idade avançada. Além do mais, seus filmes nunca deram prejuízo e ele sempre entrega tudo no prazo. Outra coisa: o cara tem no currículo dois filmes vencedores do Oscar na categoria principal, além de outros indicados ao prêmio.

JURADO Nº 2 é outro de seus trabalhos que busca o sentimento de culpa como base. Ele já havia nos apresentado a pistoleiros que carregam na consciência muitas mortes na obra-prima OS IMPERDOÁVEIS (1992) e outros personagens com conflitos interiores intensos, em filmes como UM MUNDO PERFEITO (1993), SOBRE MENINOS E LOBOS (2003), MENINA DE OURO (2004), GRAN TORINO (2008) e SNIPER AMERICANO (2014).

Neste novo trabalho, existe uma luta interior na consciência do personagem de Nicholas Hoult. Uma luta que tira seu sono. No júri ele é uma representação do chamado à verdade para os demais jurados, mais ou menos como acontece com o personagem de Henry Fonda em 12 HOMENS E UMA SENTENÇA, de Sidney Lumet. Mas esse herói, humano, sabe também que aquilo que ocorreu foi um acidente e, nesse sentido, há uma crítica, ainda que sutil, ao sistema jurídico. Esse sistema que não é perfeito, mas é o que eles têm, como afirma o personagem do advogado do homem acusado de matar a namorada.

Aqui Hoult não é exatamente um homem de um ato heroico, por assim dizer, como os apresentados em SULLY – O HERÓI DO RIO HUDSON (2016), 15:17 – TREM PARA PARIS (2018) ou O CASO RICHARD DEWELL (2019). Hoult interpreta um homem que luta contra o alcoolismo, que quase o destruiu, e que agora está num casamento salvador, com uma esposa amável em uma gravidez de risco. Ele é escolhido para fazer parte do júri de um suposto caso de assassinato. Na verdade, o réu já está na cadeia e tudo leva a crer que a narrativa de que ele, homem com perfil violento, é o culpado, é a narrativa mais comprada. Gosto de como o filme usa o recurso de um flashback que adentra a trama principal como se fosse uma imaginação do protagonista. A princípio, como se fosse uma reconstituição, mas depois se percebe que se trata de uma memória do protagonista da cena, de estar presente no bar.

Quem acaba dividindo com ele a parcela da dor na consciência numa das imagens mais emblemáticas do filme, a cena dos dois sentados no banco em frente ao tribunal, é Toni Collette, a procuradora de justiça que em determinado momento passa a suspeitar de que está do lado errado da justiça, uma vez que investiga um pouco mais sobre o caso.

JURADO Nº 2 é muito provavelmente um dos mais brilhantes filmes de tribunal já realizados. Para dizer o mínimo, já que sua simplicidade é apenas aparente, como geralmente acontece nos filmes do velho Clint. Além disso, todas as atuações estão incríveis: de Hoult e Collette, passando por J.K. Simmons, Chris Messina e Gabriel Basso. Só quem eu achei estranho no filme foi Kiefer Sutherland, mas por associá-lo ao Jack Bauer de 24 HORAS. Quando ele aparece baixinho (na verdade, ele tem 1,75 m), em comparação com os quase dois metros de altura de Hoult, fica estranho de ver. Um detalhe bobo, eu sei, mas talvez mais alguém tenha notado.

+ TRÊS FILMES

GLADIADOR II (Gladiator II)

A única maneira de gostar de GLADIADOR II (2024) é não o levando a sério. Afinal, dá para gostar das cenas da arena, do embate com o homem montado num rinoceronte, dos inusitados tubarões e de outros embates. No mais, os diálogos são ruins, o roteiro é bem qualquer coisa e quem acaba conseguindo brilhar nas cenas que aparece é Denzel Washington, que faz um comprador de escravos muito influente e de passado misterioso. Assim como também é misterioso, mas nem tanto assim, o passado do personagem de Paul Mescal, cuja esposa é morta em batalha contra os romanos e ele é levado vivo para ser escravo e gladiador. O ator agora bem musculoso está até bem no papel, levando em consideração o que tem à disposição. As cenas de lutas, por mais que não sejam extraordinárias, não são irritantes como no primeiro filme, quando o diretor era um dos que comandavam a moda das montagens picotadas em cenas de ação, que depois seria bem-recebidas pela crítica e ajudaram a dar uma cara à franquia "Bourne", por exemplo. Ridley Scott parece que continua fazendo um filme ruim para cada bom, se consideramos NAPOLEÃO (2023) como um dos bons, apesar de irregular.

MEGALÓPOLIS (Megalopolis)

Francis Ford Coppola finalmente materializou seu velho sonho. MEGALÓPOLIS (2024) é um projeto de 40 anos da vida de um artista - muito provavelmente o maior cineasta americano dos anos 1970. E só por isso é um filme que merece nosso respeito. Coppola é um cineasta que já enalteceu sonhos que se tornaram verdade, mas que tiveram que enfrentar a lógica brutal do mercado no ótimo TUCKER – UM HOMEM E SEU SONHO (1989) e aqui apresenta um herói (Adam Driver) que imagina um mundo melhor, mais distante do cinismo e da falta de perspectiva do capitalismo reinante, representado pelo prefeito vivido por Giancarlo Esposito. Esse sonho fica nebuloso para nós, espectadores, dado o aspecto confuso que se instala a narrativa fragmentada/truncada do filme, mas todo sonho (enquanto ainda sonho) é mesmo nebuloso. Não sei o quanto o resultado foi intencional ou o quanto já fazia parte dos planos do realizador, uma vez que seu filme parece, muitas vezes, uma adaptação literária cheia de pedaços deixados na sala de montagem. O tom do filme, seu interesse maior na beleza plástica do que numa narrativa mais convencional, o liga mais a O FUNDO DO CORAÇÃO (1981) do que aos herdeiros do noir e do filme de gângster que são costumeiramente associados à obra de Coppola. A narração de Laurence Fishburne parece mais uma tentativa tímida de dar um tom de fábula e as referências aos clássicos latinos parecem soltas. No mais, gosto do casal principal (Driver e Nathalie Emmanuel), de como se forma essa relação, cuja força está mais no olhar dos atores do que no desenvolvimento do enredo, que é o ponto fraco, com personagens que somem ou não têm relevância (Dustin Hoffman, Jason Schwartzman) e outros que têm bons momentos pontuais (Jon Voight, Shia LaBeouf). É possível que seja um filme que ganhe mais força com o tempo ou com uma revisão.

O HOMEM DE ALCATRAZ (Birdman of Alcatraz)

Impressionante filme baseado na história real de Bob Stroud, um homem que ficou encarcerado durante 54 anos de sua vida, sendo 42 deles em confinamento solitário. Mas o mais incrível de sua história é seu interesse pelos pássaros, que o tornou um cientista autodidata especializado e respeitado por seus pares. O filme de John Frankenheimer protagonizado por Burt Lancaster (brilhante!) já havia me ganhado desde as primeiras imagens e fica ainda mais fascinante quando apresenta a mãe de Stroud (Thelma Ritter, excelente!), uma senhora que depois veremos se tratar de uma mãe dominadora e possessiva. Ou seja, a história de Stroud, ao que parece, já havia algo de castração desde sua criação (um filme sobre a vida dele antes da prisão seria muito bem-vindo também). Apesar de O HOMEM DE ALCATRAZ (1962) ser um filme discreto do ponto de vista formal, há cenas que se destacam pelo uso do alto contraste (o lendário John Alton foi um dos diretores de fotografia, depois demitido e substituído por Burnett Guffey, de BONNIE & CLYDE – UMA RAJADA DE BALAS). O uso da fotografia em preto e branco ajuda a disfarçar um pouco o fato de que Lancaster já estava perto dos 50 anos quando interpreta um homem na faixa dos 20, assim como foi necessária também porque o equipamento em cores era muito quente e iria incomodar os pássaros. Por mais que possamos imaginar que o filme tenha tornado Stroud um herói que talvez não tenha sido na realidade, o que importa aqui é a verdade do filme, que é tocante, sensível e um dos melhores da filmografia de Frankenheimer. Filme visto no box O Cinema de John Frankenheimer, que conta com quase uma hora de extras sobre O HOMEM DE ALCATRAZ. Também li o excelente texto de Rafael Amaral sobre o filme presente no livro O Cinema de... - Outros Filmes Essenciais da Coleção. Aliás, um dos motivos de eu ter pego o filme para ver foi sua inclusão como destaque neste livro.

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