segunda-feira, agosto 24, 2020

O GRANDE SEGREDO (Cloak and Dagger)

O menos brilhante dos filmes anti-nazistas de Lang, O GRANDE SEGREDO (1946) se aproxima mais da aventura, e fica melhor quando Lilli Palmer entra em cena, como interesse amoroso de Gary Cooper. É interessante que é um filme feito após o fim do conflito e lida justamente com um tema muito sensível naquele momento, que é a bomba atômica. Porém, ao que parece, o pensamento que o filme dá a entender é de que era preferível os Estados Unidos terem a bomba do que os nazistas. Não deixa de ser algo para encobrir um grande pecado, mas o filme não escolhe esse caminho da culpa.

Na verdade, existe uma história meio suja por trás. Os produtores da Warner destruíram o final original do filme, cenas inteiras, contendo algo que seria bastante incisivo com relação ao discurso anti-bomba atômica. Nas cenas cortadas/destruídas, Cooper diz algo como "Este é o Ano I da Era Atômica, e Deus nos ajude se imaginamos que conseguiremos ficar com isto para nós e esconder do resto do mundo." Isso é possível de ver no roteiro original. Mas não é de ficar indignado? Eu teria ficado, no lugar de Lang, que aceitou embarcar no projeto justamente por causa dessa questão suprimida pela produtora.

O que ficou foi mais uma aventura de espionagem em que Cooper, um cientista americano, é escalado para uma missão na Europa durante a guerra. Como é comum nesses filmes de espionagem, algumas coisas me pareceram pouco claras. Mas tudo bem. Ele é recrutado pela OSS para entrar em contato com um médico húngaro que está na Itália trabalhando para os nazistas. Disfarçado de oficial alemão, Cooper entra no escritório do médico e descobre que ele trabalha para os nazistas e fascistas pois eles raptaram sua filha. Então, a nova missão dos heróis passa a ser trazer de volta a filha do médico para que ele possa ser também resgatado.

Na verdade, a trama parece mais complicada do que isso, mas é mais ou menos assim. No meio da jornada, o protagonista conhece uma mulher italiana de luta (Palmer), por quem se apaixona. Eu até diria que a presença de Palmer ajuda a tornar o filme muito mais interessante e envolvente. Antes, a troca de pessoas que auxiliam o protagonista estava me deixando ainda mais confuso. E, enquanto Palmer tinha aquela imagem de mulher fria, o que ajudou bastante para o papel, Cooper tinha uma imagem de homem de confiança. Ele até fez, durante a Guerra, um papel bem pacifista, SARGENTO YORK, de Howard Hawks. Mas Lang achava que ele poderia ser pouco crível no papel de um cientista, já que interpretou vários caubóis e militares anteriormente. Como homem de ação funcionou perfeitamente. E é mais isso que o filme pede, afinal.

Enquanto os demais filmes anti-nazistas de Lang realizados em Hollywood - O HOMEM QUE QUIS MATAR HITLER (1941), OS CARRASCOS TAMBÉM MORREM (1943) e QUANDO DESCERAM AS TREVAS (1944) - tinham algo de mais romântico no dever dos heróis, aqui há algo bem menos preto no branco, há uma consciência de que dentro da guerra, você está sujo também, mesmo que esteja do lado certo. É mais ou menos algo que a personagem de Lilli Palmer diz em determinado momento. Do mesmo modo, tanto os nazistas quanto os fascistas são vistos de modo menos palpável e vago do que nos filmes anteriores.

A melhor cena de ação do filme (ou melhor cena do filme): os nazistas cercando a casa do pessoal da resistência, enquanto os heróis tentam salvar o médico, descendo por um alçapão que vai dar em um poço. Mas também acho fascinante a cena de Cooper lutando com um fascista, uma luta difícil e silenciosa, lembrando uma cena que Hitchcock faria em CORTINA RASGADA, vinte anos depois. O não uso da música, fez uma diferença enorme para a construção da tensão. Mas isso já é algo que Lang já fazia com maestria desde M - O VAMPIRO DE DUSSELDÖRF (1931).

+ DOIS FILMES (CURTOS)

SOCORRO NOBRE

Curioso como fiquei mais interessado no polonês Frans Krajcberg do que na presidiária Socorro Nobre que dá título ao filme. Só hoje que fui saber que Walter Salles já havia realizado um curta sobre o artista polonês que mora em uma cidadezinha do litoral baiano. Mas é muito interessante o contraste que o diretor faz do modo como filma os dois personagens: enquanto Frans é visto em planos abertos (há uma cena linda de câmera em movimento, dele correndo pela praia), as cenas com Socorro, dentro da prisão, são claustrofóbicas, em closes, não nos deixando ver o que está ao redor da mulher, apenas seu rosto e o que ela tem para dizer, sua relação com a esperança de sair da prisão. Na época de CENTRAL DO BRASIL (1998), muito se falou deste curta, principalmente pelo fato de as cartas serem um ponto em comum. E aqui, de fato, a carta de Socorro para Frans é muito bonita e tocante. O curta é mais simples do que eu pensei que fosse, na verdade, assim como é simples (e emocionante) a cena do encontro dos dois. Ano: 1996.

O DIA EM QUE DORIVAL ENCAROU A GUARDA

Não sei se é impressão minha, mas este curta não envelheceu muito bem. Há muitas coisas que se veem em outros curtas brasileiros da década de 1980, como brincadeiras metalinguísticas, referências cinematográficas etc. Mas há algo de muito interessante, que é a questão humanista, anti-racista e também anti-militarista. Tudo bem que já havia chegado a redemocatização, mas ainda rolava uma censura resquício da ditadura. "Milico e merda é a mesma coisa", diz o preso Dorival, em frente aos quatro militares. As questões raciais seriam novamente trabalhadas em obras futuras de Furtado, como O HOMEM QUE COPIAVA (2003) e MEU TIO MATOU UM CARA (2004). Direção: Jorge Furtado e José Pedro Goulart. Ano: 1986.

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