terça-feira, agosto 04, 2020

MACABRO

Marcos Prado tem uma carreira como diretor bastante curiosa. Sua maior experiência é na produção, tendo sido, inclusive, produtor executivo dos dois Tropas de Elite, do José Padilha, além de outros dois documentários famosos desse cineasta. Mas seu trabalho na direção começou com o documentário. Seu primeiro documentário para o cinema, ESTAMIRA (2004), é o retrato de uma mulher que vive em um lixão do Rio de Janeiro, que tem problemas mentais e filosofa sobre o mundo. Confesso que esse filme me deixou um tanto perturbado. Fiquei ao mesmo tempo temeroso de entender o pensamento da personagem e olhar para seus olhos.

E é interessante ver que Prado, depois de uma primeira experiência na ficção, com PARAÍSOS ARTIFICIAIS (2012), tenha voltado a lidar com o medo (a experiência do medo que eu falei no parágrafo anterior é puramente subjetiva), desta vez deliberadamente, ao contar a história dos "irmãos necrófilos" de Nova Friburgo, que foram notícia nos jornais na década de 1990. MACABRO (2019) foi o primeiro filme inédito a ser lançado comercialmente nestes tempos de pandemia, no circuito dos drive-ins. E só por isso creio que já chame a atenção.

Por mais que não esteja sendo recebido com tapete vermelho pela crítica, diria que MACABRO tem a cara de filme que será, no futuro, reavaliado e visto como um exemplar de suspense/terror/policial marcante e com aspectos valorosos. Prado aproveita uma onda bastante positiva de filmes de gêneros que cresceram consideravelmente no Brasil nos últimos anos. Sem falar que, em comparação com a maioria dos muitos exemplares de horror e suspense estrangeiros que têm chegado ao circuito, o filme de Prado ainda ganha pontos por nos aproximar dos acontecimentos.

O modo como o filme se inicia, com o protagonista vivido por Renato Góes, o Sargento Téo, cometendo um erro ao atirar em um homem em uma operação na favela, confundindo uma furadeira elétrica com uma arma (baseado em um incidente recente real), é uma maneira de o filme começar já abordando os erros da polícia e a situação de racismo e violência que marcam a sociedade brasileira e que, a partir do que veremos na trama propriamente dita, é um racismo que persiste de maneira muito forte no Brasil profundo. Talvez nem precisasse que o cabo vivido por Guilherme Ferraz dissesse duas vezes que ele era o único negro daquela cidade, além da família dos irmãos assassinos procurados, mas talvez sim, seja necessário, para tornar mais didática a situação.

Fosse em outra época, muito provavelmente, essa questão étnica não seria sequer abordada e o filme focaria especificamente na busca pelos assassinos e estupradores e também em seus atos brutais. Há um pouco de fragilidade no modo como o filme parece querer justificar os atos dos irmãos como atos de vingança após anos de maus tratos. Isso é compensado com a construção de uma atmosfera de medo herdada do cinema de horror, como nas cenas de ataque às vítimas, mostradas sempre no escuro e tornando a aparência de um deles próxima de um monstro, a partir também do depoimento de uma sobrevivente. Isso ajuda a enriquecer o mistério, ao trazer a feitiçaria para os crimes.

O filme é feliz ao estabelecer um vínculo entre dois personagens em especial: o do Sargento Téo e uma ex-namorada da adolescência, Dora (Amanda Grimaldi). Essa relação ajuda a nos aproximar dos personagens e a aumentar a dramaticidade na cena em que Dora é abordada por um dos irmãos. É uma das melhores cenas do filme. Destaco também a cena de briga de Téo com o coronel da região, com uso de câmera na mão. Há também que se destacar a beleza da fotografia, a cargo de Azul Serra (TURMA DA MÔNICA - LAÇOS), que enfatiza a exuberância da paisagem natural de Nova Friburgo.

+ TRÊS FILMES

O CHALÉ (The Lodge)

O novo filme da dupla de BOA NOITE, MAMÃE (2014) novamente brinca com o terror dentro de ambientes fechados. Um dos pontos mais fortes aqui é a capacidade de nos surpreender desde o início. Por isso, é o tipo de obra que é interessante ver sem saber nada a respeito. Vejo como problemática a descida à loucura da protagonista. Como se fosse necessário que o espectador entrasse em seus sapatos para que o resultado fosse mais eficiente. Quanto à culpa, o modo como ela é trabalhada é boa, mas também senti falta de mais força. Riley Keough é uma jovem atriz que tem bastante carisma e acho que isso ajuda. Outro ponto positivo são os ângulos de câmera dentro da casa. Em determinado momento, sentimos que a casa está se inclinando para o lado. De todo modo, ainda não foi dessa vez que eu comprei com todo o amor o trabalho da dupla de cineastas austríacos. Mas vou ficar de olho para os próximos. Direção: Severin Fialan e Veronika Franz. Ano: 2019.

O LAR DAS CRIANÇAS PECULIARES (Miss Peregrine's Home for Peculiar Children)

Tim Burton juntou um monte de gente legal e ingredientes interessantes, mas não soube montar um bom trabalho. E quando o filme começa a ficar interessante, o sono já chegou e a vaca já foi pro brejo. Mas a Eva Green e o Asa Butterfield estão ótimos. A menina que voa é muito legal. Mas a verdade é que eu já vou ver Tim Burton com um pouco de má vontade. E olha que gostei dos dois anteriores. Ano: 2016.

SALA VERDE (Green Room)

Puxa, fazia um tempo que eu não via um filme tão tenso e tão "sangue nos zóio". Mas é melhor entrar nele sem saber nada da trama. O jovem e há pouco tempo falecido Anton Yelchin está sensacional. Na trama, uma banda de punk rock é forçada a lutar pela sobrevivência depois de testemunhar um assassinato em um bar neo-nazista. Direção: Jeremy Saulnier. Ano: 2015.

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