sábado, agosto 15, 2020

SHE DIES TOMORROW

Ontem, ao saber da morte de um amigo de aproximadamente a minha idade, fiquei em um daqueles estados de descrédito da realidade, ainda mais agora em tempos de pandemia, quando ela parece ainda mais absurda. E ainda tem todo o cenário político, no Brasil, nos Estados Unidos, no mundo, que se encaminha para um cenário ainda mais assustador. Mas a morte do Márcio foi o que me abalou. Não que eu fosse tão próximo a ele. Talvez tenham sido as circunstâncias: a rapidez, o fato de ele estar presente e sempre alegre e fazendo piadas em nosso grupo do WhatsApp, e de repente não estar mais. Cheguei a conversar sobre isso com meu amigo Santiago, que, por sua vez, hoje pela manhã, me conta da notícia da morte da ex-namorada de um amigo nosso em comum. Essas mortes de pessoas jovens, e de maneira tão inesperada, nos deixam ainda mais fragilizados diante da vida.

E ontem, vejam só que filme eu fui escolher para ver à noite. Um filme em que uma personagem passa a acreditar piamente que morrerá no dia seguinte, e cuja certeza acaba passando para a amiga mais próxima, que por sua vez transfere esse sentimento a outros ao ir a uma festa. A primeira moça, Amy, vivida por Kate Lyn Sheil, até chega a ter sentimentos mistos com a sua condição. Não é que seja ruim a ideia da morte iminente, talvez seja ruim, mas simplesmente é. Simplesmente é algo que deve ser aceito como um fato. Um dos efeitos dessa relação de proximidade com a morte é olhar para as coisas de maneira diferente, como se fosse a primeira vez. Dizer coisas sem filtro também pode ser um efeito, assim como não se importar em lidar com relacionamentos só para agradar uma pessoa.

SHE DIES TOMORROW (2020) é dirigido por Amy Seimetz, atriz de CEMITÉRIO MALDITO e A ROTA SELVAGEM, entre outros. Ela dirigiu alguns curtas e um outro longa-metragem pouco conhecido, SUN DON'T SHINE (2012), também estrelado por Kate Lyn Sheil, provavelmente uma amiga próxima. O que vemos em SHE DIES TOMORROW pode ser estudado mais atentamente com um tipo de cinema de horror dirigido por mulheres que tem se mostrado bastante presente no circuito independente atual e que tem um tipo de enredo mais interiorizado.

Não à toa SHE DIES TOMORROW, ainda que tenha sido produzido antes da pandemia, tem se tornado um dos exemplares mais representativos desse sentimento que atingiu o mundo inteiro. Um sentimento de fragilidade, mas também de um movimento diferente no olhar a vida, no olhar as horas. No caso de Amy, a protagonista, logo no início do filme, ao falar com a amiga por telefone, afirma que um filme tem uma hora e meia. A amiga havia lhe dito para se acalmar, para ver um filme. Para quem vai morrer talvez ver um filme não seja mesmo a melhor pedida. Ela escuta música enquanto bebe vinho, então. Repete a mesma canção várias vezes na vitrola. E pensa que gostaria que os seus restos mortais se transformassem em uma coisa útil, como uma bolsa de couro, por exemplo.

O interessante da categorização do horror na atualidade é que a abrangência do gênero se amplificou. Cinema de horror não é mais apenas o cinema de sustos, o cinema de monstros, fantasmas ou coisas do tipo. E no caso de SHE DIES TOMORROW nem se trata de ter a morte como principal inimiga (será que ela é mesmo?), mas do modo como a construção da atmosfera prefere muito mais um drama psicológico do que um território para um medo mais familiar ao gênero. É possível, inclusive, rir em muitas cenas. O senso de humor é sutil e interessante. As cenas mais próximas do horror talvez sejam as de profusão de luzes. Eu costumo ficar incomodado com essas luzes coloridas piscando. E é também mais uma prova de que estamos vendo um cinema de baixo orçamento feito com carinho e inventividade.

+ TRÊS FILMES (CURTOS)

CORAÇÃO MIGRANTE

Belo conto agridoce sobre jovem que veio do interior, ainda sonhando com a mulher amada, e deposita suas esperanças no futebol, em um time de periferia. Legal como o filme é todo despido de glamour e mostra pessoas comuns, do dia a dia. E são poucos os diretores que se atrevem a mostrar futebol no cinema. Gostei do que os diretores alcançam aqui nas cenas da partida que mostrará (ou não) o talento de Juninho Mise-en-scéne. Há uma espécie de coro grego que intercala as cenas, só que com um homem tocando violão canções populares. Direção: Leonardo Amaral e Roberto Cotta. Ano: 2020.

O ESTACIONAMENTO

Embora tenha ficado sem entender sobre o que é o curta gostei bastante da ambientação e do clima de pesadelo que ele consegue criar. Na trama, um imigrante haitiano vem para o Brasil e, para sobreviver, arruma emprego em um estacionamento de carros. Ele também passa a viver no estabelecimento, mas começa a ficar louco com algumas situações. Direção: William Biagioli. Ano: 2016.

A MOÇA QUE DANÇOU COM O DIABO

Plasticamente muito bonito e realizado e a ideia final é muito boa. Fico incomodado um pouco com o tanto que o cinema pinta os evangélicos de modo pejorativo, mas aqui houve um motivo e foi para uma conclusão inteligente. Na trama, uma garota vive sua rotina tentando encontrar o seu paraíso na Terra. Direção: João Paulo Miranda. Ano: 2016.

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