quinta-feira, agosto 06, 2020

QUANDO DESCERAM AS TREVAS (Ministry of Fear)

Alguns filmes parecem feitos de um tipo diferente de matéria. Por mais que digam que o cinema é a forma de arte que mais se aproxima dos sonhos, certos filmes conseguem se aproximar ainda mais dessa sensação. E eu, por algum motivo, tenho uma especial atração por esse tipo de obra. Por isso fiquei tão encantado com QUANDO DESCERAM AS TREVAS (1944), que eu esperava que fosse "apenas" o terceiro filme anti-nazista de Lang realizado em Hollywood, ainda no calor da Segunda Guerra Mundial Não esperava algo tão onírico, tão kafkiano, tão estranho e tão cheio de loucuras. 

E acho curioso o fato de Fritz Lang não gostar do filme. Na entrevista que o cineasta deu a Peter Bogdanovich contida no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, seu desdém com relação à obra é bem explícito. Conta que aceitou a proposta de dirigi-lo porque gostava de Graham Greene (o filme é uma adaptação do livro O Ministério do Medo, de 1943, do romancista inglês), mas que ficou chateado com o roteiro e com a impossibilidade de mudá-lo e que quis pular fora do projeto. Não conseguiu pois já havia assinado o contrato com a Paramount. E que bom que não conseguiu! O impressionante é Lang ter feito o filme sem tanto carinho e ainda ter resultado em algo tão bonito.

A minha primeira simpatia pelo filme foi de uma talvez acidental semelhança da imagem do protagonista, vivido por Ray Milland, com ERASERHEAD, de David Lynch, graças à projeção de uma sombra na cabeça de Stephen Neale, o personagem de Milland. Ele aguarda alguém e ficamos sabendo que ele estava preso e agora está livre. Quando sai dessa prisão, vemos o nome da instituição, um centro para doentes mentais. Mais tarde saberemos mais um pouco sobre o motivo de Neale ter parado ali, mas, por enquanto, não sabemos nada de seu passado, só de sua alegria por estar finalmente livre.

Sua alegria é tanta que não se importa em ir embora para Londres, o principal centro dos ataques de bombardeiros alemães. Sua atenção é voltada para uma festa que acontece ali perto, uma festa de senhoras, aparentemente bem familiar. É interessante a disposição dele para dizer sim a experiências novas, como adivinhar o peso exato de um bolo, entrar na tenda de uma vidente, ou, mais adiante, participar de uma sessão espírita. Aliás, a cena da sessão mediúnica é uma das melhores do filme, uma das que Lang melhor explora as sombras, e a que melhor justifica o título brasileiro. Mas antes mesmo dessa sessão, outras coisas malucas já haviam acontecido, como na cena do encontro com o "cego" no trem. É dessas cenas que me fazem arregalar os olhos para o que estou vendo e dar um sorriso de satisfação.

Mas é durante a tal sessão espírita que Neale passa a ser perseguido, tanto por espiões nazistas quanto pela polícia, depois que um homem é morto enquanto as luzes estão apagadas e Neale é acusado de tê-lo assassinado. Ajudado por um dos irmãos austríacos que conhecera antes, ele consegue fugir e é ajudado pela irmã austríaca (Marjorie Reynolds). Sim, a trama é confusa e bem maluca, mas isso faz parte da graça da obra. Diria que o filme perde um pouco a graça quando tenta trazer explicações e se transformar em um thriller de espionagem mais convencional a partir de determinado momento, mas mesmo assim há uma agilidade na narrativa que faz com que essas questões supostamente mais sérias sejam também motivo de diversão.

Diria que QUANDO DESCERAM AS TREVAS faz parte daquele tipo de filme noir que prefere se distanciar um pouco do realismo para adentrar um tipo de surrealismo, seja pela trama kafkiana, seja por alguns elementos de mistério. Poderia lembrar de A MORTE NUM BEIJO, de Robert Aldrich, por causa do mistério que seria depois inspiração para Lynch; mas também poderia lembrar de À BEIRA DO ABISMO, de Howard Hawks, cuja trama é incompreensível. E tudo bem. O senso de humor do filme de Lang se torna ainda mais evidente na última cena. E toda a combinação que o diretor alemão faz de realismo com fantasia, como ele já havia feito em DR. MABUSE, O JOGADOR (1922) e em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933), funciona que é uma beleza neste que é, aparentemente, um dos seus filmes mais subestimados.

+ TRÊS FILMES

O PARAÍSO DEVE SER AQUI (It Must Be Heaven)

Em determinado momento deste novo filme de Elia Suleiman, ele está em um escritório de uma produtora de filmes, que nega o seu trabalho afirmando não ser suficientemente palestino. Ou seja, o que querem dele é algo mais próximo de uma visão exótica e sofrida. E não uma comédia, por mais agridoce que seja este novo trabalho. É praticamente um filme de esquetes, em que o próprio realizador testemunha o que lhe aparece pela frente sem expressar nenhuma palavra. Assim, é quase um filme mudo, em certo sentido. Mas há uma importância grande do som e também da música. Inclusive, em dois momentos que parecem videoclipes: quando toca Nina Simone e ele está em Paris, e quando toca Leonard Cohen e ele está em algum lugar dos Estados Unidos. A cena do supermercado é um sarro, assim como a cena com o Gael García Bernal. Senti muita vontade de saber mais sobre a questão da convivência entre palestinos e israelenses dentro do Estado de Israel. No caso do filme, em Nazaré. Ano: 2019.

TOY STORY 4

Este quarto filme da série mantém o padrão de qualidade, graças, principalmente, à força de seus personagens, principalmente de Woody e depois de Buzz. Mas aqui temos outros dois personagens de muita força e importância para a trama, a boneca de porcelana Beth e o garfinho, criado pela garotinha em momento de ócio gerado pela solidão na escolinha. Acho que o filme cansa um pouco em seu terceiro ato, com tantas mudanças de planos nas aventuras dos heróis, mas não dá para reclamar muito. Até porque há aqueles bonecos aterrorizantes de filmes de terror da loja de antiguidades. Direção: Josh Cooley. Ano: 2019.

FRANCOFONIA - LOUVRE SOB OCUPAÇÃO (Francofonia)

Continuo não sendo fã de Aleksandr Sokurov e seus filmes são um convite ao sono. Mas como vi o filme com um pouco de febre, é provável que gostasse em outras circunstâncias. Há algo de bastante interessante, nem que seja para pensar o papel do museu e o momento da ocupação alemã na França. Ano: 2015.

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