quarta-feira, agosto 05, 2020

O CONVITE AO PRAZER



Quem gosta (quem ama, na verdade) o cinema de Walter Hugo Khouri sente sempre a necessidade de voltar às suas obras. Elas funcionam tanto isoladamente quanto dentro do corpo de seu trabalho. E também mudam bastante, à medida que nossa compreensão de mundo também muda, como costuma acontecer com qualquer obra de arte. Porém, no caso das obras de Khouri que trazem nudez e cenas de sexo mais gráficas, como as da fase da Boca, essa diferença de visão da obra pode ser ainda mais sentida.

É o caso de O CONVITE AO PRAZER (1980), filme que antecipa a obra-prima EROS - O DEUS DO AMOR (1981) e que é geralmente considerado um filme menor do diretor. Pelo grande número de cenas de sexo e de mulheres lindas desfilando pela tela, a primeira impressão que eu tive do filme, na minha adolescência, quando o vi pela televisão, foi de uma obra cujo destaque maior é o sexo. Sim, o sexo é fundamental para o filme, mas não como um elemento de diversão, como pude ver agora, com os olhos da maturidade. E também com os olhos mais atentos com coisas como o machismo e a objetificação da mulher. 

Nesse sentido, O CONVITE AO PRAZER é um dos filmes mais masculinos de Khouri, embora ele soubesse também fazer muito bem obras totalmente centradas em mulheres. Não à toa é tido como o nosso Bergman. Mas não é o caso deste trabalho em particular, cuja primeira mulher apresentada, a jovem e lindíssima Sonia (Aldine Müller), é quase uma boneca de pano pronta para ser aproveitada sexualmente pelo dentista Luciano (Serafim Gonzalez) e depois por Marcelo (Roberto Maya, o melhor de todos os Marcelos de Khouri). Os dois transam com ela, uma garota de programa, na cadeira de dentista de Luciano.

O filme começa mostrando a rotina de trabalho desse personagem próximo do patético que é Luciano. Um homem que tem por hábito liberar a secretária para usar o seu espaço de trabalho para o prazer, sem precisar pagar mais por isso, como motel, bebidas etc. Além do mais, ele tem a preocupação de não chegar tão tarde em casa. Mesmo assim, sua relação com a esposa Anita, vivida por Helena Ramos, ainda continua firme e forte.

O mesmo não se pode dizer do casamento de Marcelo, que passa por uma crise terrível. Ele não suporta a esposa, embora diga que a ama para o amigo. A mulher, Ana (Sandra Bréa, cheia de charme, mais uma vez), já parece cansada de tudo, mas é ele que a provoca mais. Aliás, é interessante como a casa deles, um palácio, se parece com um lugar que exala tristeza, especialmente quando contrastada com o espaço que Marcelo reserva para as orgias, a sua garçonniére. Ali é um espaço de exacerbação dos sentidos, dos prazeres, das possibilidades do sexo. Um espaço sem paredes, onde quem está na cama de baixo pode muito bem assistir à performance de quem está na cama de cima e vice-versa.

O lugar é quase um personagem para o filme, mas nada que vá eclipsar a força da presença de Marcelo, um homem que se sente bem ao se mostrar um sábio cínico e pessimista, mas também muito rico e elegante, especialmente quando se espelha à frente do pouco sedutor Luciano, que está ali para aproveitar aquela oportunidade de ouro, mesmo já estando, como o próprio Marcelo observou, bastante judiado pelo tempo. Aliás, a presença quase simiesca de Luciano perto das mulheres lindas que aparecem pelo filme é de um contraste impressionante.

E quanto às mulheres, que elenco! Além das já citadas Helena Ramos, Sandra Bréa e Aldine Müller, o filme ainda conta com Kate Lyra, como a funcionária inglesa de Marcelo; Nicole Puzzi, como a amiga da filha do protagonista; Alvamar Taddei, como uma das garotas de programa mais atraentes; sem falar em outras famosas atrizes do cinema brasileiro do período que aparecem em papéis menores, como Patricia Scalvi e Rossana Ghessa. São tantas beldades que a comparação de Marcelo com o próprio Khouri acaba por ser bastante pertinente.

Mas CONVITE AO PRAZER também é um filme em que o sentimento de mal estar se sobressai. Marcelo é um personagem que não se importa em causar transtorno a pessoas que ele conhece no cotidiano, como na cena em que convida sua secretária Miss Harriet (Kate Lyra) para a sua garçonniére. E o problema maior nem parece ser a bela mulher transar com Marcelo e com Luciano em esquema de revezamento na mesma cama, ao mesmo tempo, parecendo estupro, mas ter que dar de cara com colegas de trabalho, logo em seguida, e ter toda a sua reputação perdida.

Quanto ao uso deslumbrante de luz e sombras no filme, é em Kate Lyra que elas recaem de maneira mais linda, ressaltando o seu sentimento conflitante e também o sentimento conflitante do espectador, diante de situação cujo grau de incômodo luta contra algum sentimento de prazer voyeurístico e de encantamento com a beleza que persiste.

E por isso cada obra de Khouri merece uma reavaliação constante. Um filme como este, cujos créditos se iniciam com a pintura Os Amantes, de René Magritte, e se encerra com a mesma pintura, tem muito a dizer. Na pintura, vemos dois amantes se beijando totalmente cobertos por um pano que os impede de tocarem os lábios um do outro. Pode haver uma infinidade de visões dessa pintura, mas creio que uma delas pode ser a quase impossibilidade de se alcançar o amor.

As orgias que Marcelo empreende não são suficientes para trazê-lo prazer, satisfação. Sua necessidade de sentir é tanta que ele se deixa ser agredido fisicamente pelo amigo em um dos momentos finais do filme, como se aquela surra fosse para ele um presente; fosse, enfim, uma forma de sentir a vida.

Agradecimentos à Paula, que topou ver o filme simultaneamente comigo.

+ TRÊS FILMES

BRASIL S/A


Quando um filme não nos pega a gente fica até desinteressado em tentar descobrir os signos, os simbolismos. Foi mais ou menos o que aconteceu comigo e BRASIL S/A. Mas é um filme interessante e bonito de ver, embora seja necessário um pouco mais de disposição por parte do espectador. Direção: Marcelo Pedroso.

MAIS FORTE QUE O MUNDO - A HISTÓRIA DE JOSÉ ALDO

É muita firula e muito efeito pra pouca emoção. Mas é interessante o modo como a questão paterna é colocada. O começo em Manaus também é interessante, mas toda a trajetória para chegar às vitórias são muito rápidas e parecem um trailer, além de parecer também com aqueles filmes publicitários que se costuma ver em academias de musculação. A personagem de Cleo Pires também é fraca. Se a atriz não tivesse uma beleza e um charme próprios ficaria ainda pior. Mas é um filme a se conferir. Direção: Afonso Poyart. Ano: 2016.

O OUTRO LADO DO PARAÍSO

Acho que tenho um pouco de problema com filmes protagonizados por crianças. Por algum motivo esses filmes me dão sono, em sua maioria. Embora este título em si seja correto e tal, não consigo enxergar nada além disso, mesmo levando em consideração o cenário de golpe de 2016. De todo modo, as cenas dos amores do garotinho são legais. Minha preferida é a cena do cinema. Direção: André Ristum. Ano: 2014.

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