sábado, julho 11, 2020

DEPOIS DA TEMPESTADE / A IMAGEM ERRANTE (Das Wandernde Blid)

Para um filme que teve boa parte de sua metragem perdida e que foi preciso uma boa quantidade de texto para a trama não ficar muito confusa, até que DEPOIS DA TEMPESTADE (1920) é um belo trabalho. Tem os seus momentos, ainda que seja irregular. Acho linda a cena da protagonista no barco, subindo as montanhas. Aliás, o clima do filme, as imagens, o personagem do ermitão, a religiosidade, aproximam mais este trabalho das obras de Carl Theodor Dreyer - me fez lembrar tanto A PALAVRA quanto os filmes mudos do realizador dinamarquês.

A trama é um pouco confusa e eu tive que parar depois de uns 15 minutos, ler umas resenhas e depois voltar ao começo. Só então comecei a assistir com prazer, ainda que em alguns momentos eu tenha me perdido novamente. A história nos apresenta a uma mulher que está fugindo de um marido abusivo. Ela está em um trem (as cenas do trem também são ótimas) e recebe um telegrama ameaçador do marido, que jura ir em seu encalço. Ela foge para as montanhas congeladas e lá encontra um ermitão. Na verdade, esse sujeito é o seu ex-namorado/ex-companheiro, então dado como morto.

Logo em seguida, somos apresentados aos acontecimentos importantes anteriores àquele momento, tanto do ponto de vista dela, Irmgard (Mia May), quanto do então ermitão Georg (Hans Marr). E mesmo com as cenas perdidas da metragem anterior, não deixa de ser admirável a destreza de Lang e de sua corroteirista Thea von Harbou em amarrar esses dois flashbacks de maneira criativa, quando os dois personagens ficam presos na cabana depois de uma avalanche provocada por John, o marido de Irmgard, também vivido por Hans Marr.

Na verdade, John é uma espécie de doppelgänger. Ele é o irmão gêmeo de Georg que se aproveita da crise no relacionamento de Irmgard com Georg para se aproximar da mulher e casar com ela. Georg estava com dificuldade de casar com ela por medo de ferir as suas convicções. Ele era um adepto do amor livre. Ou seja, casar seria algo impensável, algo mais relativo à posse do que ao amor. E quando ela o encontra na montanha, ele ainda tem suas próprias convicções, relativas a uma promessa que fizera a si mesmo com uma virgem. Ele só voltaria para o mundo se a estátua da virgem andasse.

Podemos ver que desde o início o tema do destino aparece de maneira forte na obra de Lang. Mas acho curioso e importante notar que há uma importância forte no trabalho de sua parceira von Harbou, cujo primeiro filme roteirizado por ela, SANTA SIMPLÍCIA (1920), de Joe May, imediatamente anterior a esse, também contou com elementos religiosos.

Entre os atores, vale destacar a presença de um ainda jovem Rudolf Klein-Rogge, um dos mais importantes da fase alemã de Lang. Foi ele quem interpretou o Dr. Mabuse e o inventor de METRÓPOLIS (1927), entre outros.

Em DEPOIS DA TEMPESTADE, há uma cena, de quando a protagonista fica presa com Georg depois da avalanche, que antecipa a cena da expectativa de uma explosão em O TESTAMENTO DO DR. MABUSE (1933), ainda que não tenha o elemento suspense. Pelo menos, se havia a intenção, não foi exatamente bem-sucedida.

Foi graças à Cinemateca Brasileira, dado como perdido por várias décadas, que temos a chance de ver este e o trabalho seguinte de Lang. A nossa cinemateca encontrou uma cópia deste filme na década de 1980. Inclusive, a cópia encontrada trazia intertítulos em português. A cópia que eu vi foi uma versão remasterizada e bem bonita, com intertítulos e textos explicativos em inglês. Enfim, viva a nossa Cinemateca, que agora se encontra em perigo com o governo criminoso de Jair Bolsonaro.

+ TRÊS FILMES

ANTES QUE EU VÁ (Before I Fall)

Uma surpresa positiva este derivado de FEITIÇO DO TEMPO em versão mais adolescente e mais com cara de "filme com mensagem". É bastante eficiente, as situações são boas e a jovem protagonista (Zoey Deutch) é adorável. Ela esteve em alguns filmes que eu vi, só que eu não lembrava dela. Com esse filme, ela deve se destacar melhor na indústria. Direção: Ry Russo-Young. Ano: 2017.

SOUNDTRACK

Eis um filme interessante, embora eu não tenha comprado as motivações do protagonista, vivido por Selton Mello. Mas gosto muito das interações entre os personagens e aquele ambiente de fim de mundo gelado. Direção: 300ML. Ano: 2017.

A CABANA (The Schack)

Dei umas cochiladas, pois o filme é um tanto maçante (além de um bocado cafona), mas há algumas passagens que são interessantes, como a conversa com a personagem da Alice Braga ou a questão envolvendo pai e filha, que funcionam bem no registro da emoção. Mas acho que o problema pode ter sido mais comigo, pois a sala de cinema quase toda chorou durante boa parte do filme. Direção: Stuart Hazeldine. Ano: 2017.

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