sábado, julho 25, 2020

UM LUGAR AO SOL (A Place in the Sun)

Embora eu seja fã da Nova Hollywood, surgida junto com a contracultura na segunda metade dos anos 1960, ainda acredito que o auge do cinema americano aconteceu na década anterior. UM LUGAR AO SOL (1951), de George Stevens, é um exemplar desse cinema espetacular, que alia tanto as intenções de lidar com a questão da luta de classes quanto a tragédia aplicada a uma dramática história de amor de alta intensidade.

Vi este filme pela primeira vez em um Corujão da Rede Globo na aurora da minha cinefilia e fiquei especialmente impressionado, na época. Na semana passada, marquei de revê-lo, simultaneamente, com uma amiga, a Paula, que nunca tinha visto. Foi uma experiência bem interessante, uma maneira de fazer uma espécie de sessão de cinema em tempos de pandemia. De vez em quando comentávamos algumas cenas pelo messenger. E o filme segue sendo impactante.

Montgomery Clift, famoso por ter vários problemas de saúde, de alcoolismo e por sofrer ao ter que esconder sua homossexualidade, é o ator perfeito para interpretar George Eastman, esse homem pobre e fraco, covarde até, que se apaixona por uma moça da alta sociedade, a exuberante Angela Vickers, interpretada por uma Elizabeth Taylor em estado de graça. George deixa a cidadezinha onde morava para tentar a sorte na empresa de seu tio rico. No começo, sua presença é vista pelos familiares como um incômodo, e ele é colocado para trabalhar em uma seção bem pouco nobre da empresa. E embora seja proibido ter relacionamentos com colegas de trabalho, ele logo passa a namorar uma moça de sua seção, Alice, vivida por Shelley Winters.

O filme acompanha George em sua busca por encontrar alegria naquele novo mundo. Em determinado momento, enquanto caminha com Alice, ele vê um grupo de evangélicos pregando nas ruas. Mais tarde, veremos que havia ali uma identificação com o seu passado, com sua família, em especial, sua mãe. Agora ele vive uma outra vida. E tenta aproveitá-la ao máximo. Após uma saída com Alice, ele dorme com ela e a engravida. A notícia da gravidez surge justamente depois que ele conhece Angela na casa do tio. Angela não apenas se interessa por ele, como também se apaixona pelo rapaz. George, porém, não tem coragem de contar a verdade para nenhuma das duas mulheres e fica se afundando cada vez mais nas mentiras.

Não cheguei a julgar o comportamento de George, e talvez tenha me faltado empatia para perceber o drama da pobre Alice, que de repente se tornou um empecilho. Tanto que surge, na mente de George, o absurdo de simular um acidente com a namorada, a fim de se livrar dela e ser feliz com Angela. É algo horrível de se pensar e ele sabe disso. Por isso fica tão perturbado, tão dividido, tão dilacerado.

Quanto à felicidade, acredito que ele nunca tenha experimentado de fato, principalmente depois que soube da gravidez de Alice. Talvez o único momento realmente feliz de George tenha sido na festa na casa do tio, quando, como num sonho, Angela o aborda, puxa conversa com ele, demonstra interesse. Ela se sente atraída pelo ar de mistério daquele rapaz que joga sinuca sozinho. Mas o sorriso de George é sempre triste, mesmo quando tem a certeza do amor de Angela e está com ela em uma casa no lago. Sua vontade é de fuga da vida real, de abraçar a doce ilusão.

O filme se encaminha para a tragédia na cena do barco com Alice, que faz lembrar cenas similares de outras duas obras-primas, AURORA, de F.W. Murnau, e AMAR FOI MINHA RUÍNA, de John M. Stahl, ainda que distante do romantismo do primeiro e da perversidade do segundo. No último ato, com fotografia em tom de film noir, quando George vai ao tribunal acusado de assassinar Alice, nem ele mesmo sabe o quanto de culpa tem. O veredito, por mais cruel que seja, funciona como uma espécie de purgação de seus pecados, um meio extremamente duro de finalmente livrá-lo do tormento da vida dividida pela mentira. E a visita de Angela ao final... Que cena!

UM LUGAR AO SOL foi vencedor de seis Oscar: direção, roteiro, fotografia em preto e branco, figurino em preto e branco (da Edith Head) e trilha sonora. Tornou-se famoso pela afirmação de Charles Chaplin, de que seria o melhor filme que vira na vida. Representa o triunfo do cinema clássico americano. O filme foi a segunda adaptação do romance Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser. A primeira versão, que levou o mesmo nome do romance, foi dirigida em 1931, por Josef von Sternberg.

+ TRÊS FILMES

HERÓIS OU VILÕES (Wisdom)

Meu interesse por este filme estava principalmente em Demi Moore. De vez em quando vejo ou revejo algum filme com ela só para apreciar sua beleza e sua voz rouca. Quis o destino que eu visse este primeiro trabalho na direção de Emilio Estevez. A trama e os personagens me parecem um tanto ingênuos, assim como a polícia parece um tanto burra. Mas é um exemplar de um modo de pensar americano, seja pela tradição em glorificar foras-da-lei, seja porque havia mesmo, naqueles Estados Unidos da era Reagan, um sentimento de inconformismo e insatisfação com os rumos da economia e da sociedade. E aí temos um personagem que sai queimando arquivos de hipoteca nos bancos, em vez de roubar dinheiro. Parece um tanto idiota, mas depois o filme vai ganhando o prazer da liberdade, ainda que se saiba que a liberdade do casal seja fadada a um fim nada legal. Ano: 1986.

REVELAÇÃO (Disclosure)

Como formato de documentário, é bem quadrado e convencional, mas não é isso que importa. É interessante que o formato de depoimentos + imagens de arquivos, sendo muitas dessas imagens cenas de filmes, seja usado como um meio de nos aproximar dessas personagens reais e que às vezes nos parecem distantes. E é importante que algo venha trazer com muita clareza o que está errado na sociedade quando ela não tem a menor noção de empatia com esses seres humanos. O exemplo mais clássico é o de TRAÍDOS PELO DESEJO, quando o sujeito vomita depois de descobrir que a mulher tem um pênis. E isso acaba sendo replicado em outros filmes, inclusive comédias. E isso sem pensar em como essas pessoas se sentiam com isso. Alguns dos nomes mais importantes presentes no documentário: Jen Richards (HER STORY), Laverne Cox (ORANGE IS THE NEW BLACK), Zachary Drucler (TRANSPARENT), a lindíssima Trace Lysette (também de TRANSPARENT) e Lilly Wachowsky, que dispensa apresentações. É um filme que deveria ser mostrado em escolas. Direção: Sam Feder. Ano: 2020.

MAIS FORTE QUE BOMBAS (Louder than Bombs)

Que beleza de filme e de construção de climas e personagens. Foi muito melhor do que eu imaginava. E se o tal OSLO, 31 DE AGOSTO (2011) é melhor mesmo do que este, como dizem, então deve ser uma pequena obra-prima. O elenco é estupendo. Destaque para Isabelle Huppert, claro. Direção: Joachim Trier. Ano: 2016.

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