Difícil não ficar com uma ponta de decepção com esta segunda metade do suposto "filme pornográfico" de Lars Von Trier. Principalmente quem gostou de NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (2013), que trouxe algumas surpresas para quem costuma acompanhar a obra do cineasta dinamarquês. O bom senso de humor foi uma das coisas que mais se destacou. Para surpresa de muitos, aquele diretor de filmes pesados se apresentou com um espírito mais leve ao tratar da história de uma mulher viciada em sexo, ou uma ninfomaníaca, como ela gosta de ser chamada.
O humor não saiu completamente de cena em NINFOMANÍACA – VOLUME 2 (2014), especialmente enquanto a versão mais jovem de Joe (Stacy Martin) está presente. Destaque para a cena das colheres no restaurante. Porém, quando entra em cena Charlotte Gainsbourg não apenas como narradora, mas também como personagem da própria narração, o filme carrega um tom mais sombrio, ainda que não tanto assim. Ainda é possível rir de muitas situações e as sequências de sadomasoquismo, envolvendo o personagem de Jamie Bell, por mais que sejam interessantes, são, de certa forma, suavizadas.
Pelo menos Von Trier escapa de algo que poderia ser fatal para o seu opus, que é colocar a personagem sofrendo muita culpa pelo prazer proporcionado pela sua sexualidade exacerbada. Em especial em um momento bastante autorreferencial de ANTICRISTO (2009), que poderia ter seguido por um caminho óbvio. Felizmente ele não cometeu esse deslize. Essa cena pode ser vista como uma forma de o cineasta tentar desfazer aquilo que o atormentou, que lhe trouxe depressão anos atrás.
Outro acerto do filme está em dar mais espaço ao personagem Seligman, o ouvinte da história de Joe, interpretado por Stellan Skarsgård, que se revela um homem virgem e assexuado. Daí os detalhes da história de Joe remeterem a aspectos mais eruditos da cultura que ele absorveu através dos livros e da solidão. Nesta segunda parte, por exemplo, o que mais chama a atenção é um quadro da virgem com o menino Jesus que vai servir de discussão sobre as diferenças entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente. Interessante ele passar essa impressão mais suave da Igreja do Oriente, que contrasta com o que vemos na atmosfera pesada do romeno ALÉM DAS MONTANHAS, de Cristian Mungiu.
Também se deve dar crédito a Charlotte Gainsbourg, a única do elenco que parece se entregar de fato à personagem. Os demais atores são coadjuvantes de luxo que desempenham seus papéis mais por diversão, servindo para atrair os espectadores que estão mais acostumados com o cinema produzido em Hollywood. De certa forma, funciona, embora nesta segunda parte o ritmo fique bem mais comprometido. Os capítulos são maiores e mais arrastados. O vigor do primeiro filme diminui neste segundo, por mais que algumas cenas sejam bem interessantes, como o orgasmo espontâneo da menina Joe, em uma experiência sobrenatural, que é vista como sendo diabólica pela interpretação de Seligman.
Claro que o diretor pode se esquivar e botar a culpa nos editores, já que ele abriu mão do corte final. Mas pode-se tirar a prova disso facilmente com a cópia integral sem cortes que já caiu na internet. Será que um filme de cinco horas e com mais cenas picantes se resolve melhor do que dois filmes de cerca de duas horas? Muitas vezes isso é possível.
Por outro lado, ao ler as tantas críticas negativas de leitores do IMDB, reclamando que a obra de Von Trier tem pornô demais e drama de menos, dá mais vontade de defender o filme. Afinal, não há pornô demais coisa nenhuma. Até tem de menos. Não há cenas de penetração explícita como no primeiro filme, por exemplo. E o diretor ainda tem a coragem de tocar num assunto delicado de maneira corajosa, que é a questão da pedofilia.
Por mais que haja tantos outros filmes que tratam de sadomasoquismo e sexo em excesso de maneira muito mais ousada dentro do meio underground, vivemos em um momento muito retraído sexualmente no mainstream. Nada como dar uma bela chacoalhada nesse atual comportamento hipócrita da sociedade e mostrar que as pessoas continuam, sim, interessadas em sexo no cinema.
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