sábado, novembro 06, 2010
CARTA DE UMA DESCONHECIDA (Letter from an Unknown Woman)
O meu primeiro contato com o cinema de Max Ophüls foi há quinze anos, através do documentário UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO, de Martin Scorsese. Apesar de o diretor ter escolhido mais filmes violentos para comentar, lá estava o melodrama de Ophüls na seção "O diretor como contrabandista". Duas cenas ele destacou: a sequência do trem de parque de diversão, onde Stefan (Louis Jordan) e Lisa (Joan Fontaine) conversam enquanto paisagens passam pela janela; e a sequência da estação de trem, com a despedida de Stefan e sua promessa de que voltaria em duas semanas, encerrada com a triste Lisa chorando e indo embora de costas para a câmera.
Os melodramas mais trágicos não deixam de ser muito violentos, pois agem diretamente sobre o coração, sobre a alma dilacerada da pessoa apaixonada, como neste CARTA DE UMA DESCONHECIDA (1948). No caso de Lisa, ela é apaixonada pelo músico boêmio Stefan na Viena do início do século XX. Ela fantasia sobre ele; ele não sabe quem ela é. Ela dá um banho de loja, estuda a história dos músicos eruditos e faz até aulas de dança para ele; ele chega com uma mulher diferente a cada noite. Por causa dessa vida é que ele é "convidado" para um duelo. Havia mexido com a mulher alheia e teria que participar de um daqueles duelos com arma na mão. Mas Stefan é covarde demais para aceitar e sua solução é fugir pelos fundos. Naquela noite, o seu mordomo lhe entrega a carta de uma mulher desconhecida, que já começa dizendo que no momento em que ele estiver lendo esta carta ela já deverá estar morta. O filme é praticamente todo um flashback, onde vemos o ponto de vista de Lisa e todo o seu amor dedicado a alguém que sequer lembrava dela.
Algo que sempre se comenta no cinema de Ophüls é a sua habilidade singular com a câmera, seus travellings e panorâmicas de tal beleza que quase nos leva a um outro patamar espiritual. Conta-se que Stanley Kubrick adorava os travellings de Ophüls e que o homenageou em GLÓRIA FEITA DE SANGUE e em 2001: UMA ODISSEIA NO ESPAÇO. Outro diretor que também amava Ophüls era Rainer Werner Fassbinder, mas seu estilo era diferente, sem a mesma elegância do cineasta da valsa. A câmera de Ophüls atravessa paredes, sobe pelas escadas com desenvoltura e graça e transforma o que seria um melodrama banal numa obra-prima, ajudando a contar a trágica história de uma mulher que não vê outro homem a não ser Stefan e a de um homem que esteve com tantas mulheres, mas que nunca encontrou de fato a "verdadeira". E se encontrou, acabou de perdê-la.
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