sexta-feira, fevereiro 10, 2006
GAROTAS DO ABC (AURÉLIA SCHWARZENEGA)
Tive a oportunidade de ler o roteiro de AURÉLIA SCHWARZENEGA - na época, o filme ainda não havia sido rebatizado de GAROTAS DO ABC (2003) - por intermédio das colunas que Carlos Reichebach escrevia para o site Cineclick. Imprimi imediatamente o roteiro - feito pelo próprio Carlão em parceria com Fernando Bonassi -, mandei encadernar, e li com prazer, já imaginando como ficaria o filme depois de pronto. Já imaginava na minha cabeça como seria o striptease às avessas de Michelle Valle e a performance de Selton Mello, como o neonazista Salesiano de Carvalho. Eis que o filme estréia em São Paulo, passa pouco tempo em cartaz, recebe algumas críticas negativas, outras positivas, mas nada de chegar em Fortaleza. Foi mais fácil o próprio Reichenbach vir pessoalmente a Fortaleza por ocasião do Cine Ceará do que o filme chegar às telas cearenses. Se não tivesse sido lançado em DVD, nem sei como teria conseguido ver.
O bom de tudo isso é que o DVD lançado pela Europa está maravilhoso. Poder ver o filme com o comentário em áudio do Carlão é algo que não tem preço. É como se a gente estivesse vendo o filme ao lado dele, com o cineasta nos explicando detalhes da produção: as homenagens a alguns de seus diretores preferidos (Fritz Lang, Lucio Fulci, Sam Peckinpah, Yasujiro Ozu); as pontas de colegas de listas de discussão, como Eduardo Aguilar e André Kapel, que trabalharam como assistente de direção e maquiador de efeitos especiais, respectivamente; as músicas que influenciaram Nélson Ayres para a composição da trilha sonora; outros detalhes, como a timidez de Michelle Valle nas cenas de sexo, a garrafa importada para não machucar a cabeça dos atores nas cenas de briga, a primeira tomada do filme etc. Vendo o making of de quase meia-hora presente no DVD é possível ver a trabalheira que foi fazer as cenas que se passam no Clube Democrático. Tanta gente envolvida, tanto figurante, tanto personagem, e a câmera dá conta de tudo isso com uma fluidez espetacular. Coisa de mestre aquela cena dos vários personagens se revezando pela lente da câmera.
GAROTAS DO ABC não é um filme redondo, é verdade, mas que se fodam os filmes redondos. O filme do Carlão respira amor pelo cinema em toda a sua metragem. O fato de o filme ter alguns problemas, de ser um pouco "cinema imperfeito", faz parte do seu charme. Os maiores problemas do filme se devem principalmente ao elenco jovem e pouco experiente. Não gostei, por exemplo, do Fernando Pavão, o ator que faz o namorado da Aurélia. Os atores jovens nem sempre conseguem ser tão bons quanto veteranos como Adriano Stuart, Ênio Gonçalves, Antônio Pitanga e Vera Mancini. Essa última, aliás, está excelente. Sua personagem, a Sofia, a velha bêbada, é maravilhosa. Rouba a cena cada vez que aparece. Sorte do elenco masculino, que tinha ela ali de lado nas cenas do bilhar. As cenas em que Vera contracena com Selton Mello, um xingando o outro, são de dar boas gargalhadas.
Falando no elenco masculino, lembrei agora das cenas nas pedreiras, daquele espetacular travelling circular, daquele M em homenagem à obra-prima de Fritz Lang, que se transforma na letra grega "sigma". Posso ter sido um dos muitos que não entenderam o significado do "sigma", que o Carlão, muito gentilmente, trata de explicar nos comentários em áudio. Mesmo sem eu ter entendido, mesmo sendo um pouco ignorante na história política brasileira, senti um grande prazer estético nessa cena assim mesmo. Afinal, sou fã de Buñuel, de Lynch, de 2001 do Kubrick! Não preciso entender racionalmente os filmes para gostar deles.
Quanto às garotas do ABC, minha preferida é a Luciele di Camargo, que faz o papel da Suzana, a menina que vive se machucando nas máquinas da fábrica. Se eu fosse escolher uma delas para um segundo filme, seria a Luciele. Gostei desse aspecto do sacrifício dela, do amor pelo patrão, de não deixar ninguém tocar-lhe os seios. Imagina isso num filme. Já imagino a cena de alguém lhe tocando os seios, de como isso seria especial. Mas, ao que parece, o mais provável é que seja feito primeiro um filme sobre a "Lucineide Falsa Loira", interpretada pela Fernanda Carvalho Leite, que, aliás, esteve muito bem no filme seguinte do Carlão, BENS CONFISCADOS (2004).
Um detalhe que eu senti em GAROTAS DO ABC foi uma certa sensação de que ele se passa nos anos 70, embora, se eu não me engano, ele seja contemporâneo. Ficam no ar algumas coisas um pouco antigas como os boleros no Clube Democrático, a black music setentista, o fusca amarelo do jornalista, o papo político em mesa de bar (comunismo, anarquismo). Deixa no ar um sensação de anacronismo, sensação semelhante a que eu tive quando vi PULP FICTION, do Tarantino.
Uma beleza também é o curta-metragem EQUILÍBRIO E GRAÇA (2002), que vem nos extras do DVD. O curta foi realizado graças a um projeto da Petrobrás. O filme, de 10 minutos, é uma pequena mostra da maestria do diretor de fotografia Jacob Solitrenick em trabalhar com a luz. Acredito que seja um filme que mereça ser visto mais de duas vezes para ser melhor apreciado. O curta fala de equilíbrio espiritual, mostrando o encontro entre o pensador católico Thomas Merton e o introdutor do zen budismo no ocidente T.D. Suzuki. A bailarina nua que aparece nesse curta é Luciana Brittes. Foi ela quem trabalhou com Michelle Valle na cena do striptease ao contrário de GAROTAS DO ABC, a fim de dar maior graciosidade à dança de Aurélia.
No livro "Carlos Reichenbach", da Coleção Aplauso, Marcelo Lyra nos fala um pouco sobre alguns dos próximos projetos do diretor. Além de LUCINEIDE FALSA LOIRA, é possível que O SOL VAI EXPLODIR ainda aconteça. Em seu blog , ele pouco tem falado dos seus projetos. Não sei se eles estão sendo encaminhados. Os outros dois projetos dele se chamam ORIENTE e O AMIGO CATÓLICO, que, pelo título, bem que poderia ser estrelado pelo Aguilar.
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