sábado, abril 23, 2022

CIDADE PERDIDA (The Lost City)



Acho que meu amor e minha admiração por Sandra Bullock começaram até que de maneira um pouco tardia, já que na época que a vi em VELOCIDADE MÁXIMA (1994) eu não a enxerguei tanto assim, embora tenha gostado bastante do filme, visto sob efeito de uma boa dose de suco de guaraná no Cine Diogo – bons tempos aqueles. Mas eis que, em seguida, a vi (em VHS) no drama romântico ENQUANTO VOCÊ DORMIA (1995) e já tive uma outra percepção. É um filme muito mais fácil de chamar atenção para ela.

E Bullock acertou em cheio quando se mostrou muito talentosa para a comédia, em filmes como FORÇAS DO DESTINO (1999), MISS SIMPATIA (2000) e AMOR À SEGUNDA VISTA (2002). E ela ainda venceu a barreira do preconceito com a idade em Hollywood quando continuou a brilhar em comédias românticas, como foi o caso de A PROPOSTA (2009). Ou em comédias “não-românticas”, por assim dizer, como AS BEM-ARMADAS (2013) e OITO MULHERES E UM SEGREDO (2018). E eu nem citei os dramas bem-sucedidos que ela fez nesse ínterim, que são vários (e alguns maravilhosos), mas porque o foco aqui é lembrar da comédia mesmo, do quanto seu timing é acertado para esse tipo de registro.

E eis que chegamos à nova comédia estrelada pela nossa querida estrela, CIDADE PERDIDA (2022), dirigida pelos irmãos Aaron e Adam Nee, cineastas até então bem pouco conhecidos e vindos de produções pequenas. Acho que o melhor elogio que eu posso fazer ao filme é dizer que não tenho recordação de quando foi a última vez que eu ri tanto no cinema. Foi provavelmente com O ESQUADRÃO SUICIDA, mas o riso vinha de outra maneira, provocado por um pouco de sadismo com a violência gráfica.

Neste filme em que Bullock contracena com Channing Tatum, outro ator muito bom no registro cômico, os risos são mais inocentes, mais relaxados. Aliás, toda a experiência de CIDADE PERDIDA se dá pelo se relaxar e se divertir com situações tão bobas quanto inteligentes em sua construção, como é o caso de cada cena envolvendo o personagem de Brad Pitt – da primeira à última aparição do personagem de Pitt, ele brilha.

Quanto a Sandra, ela está muito à vontade no papel e mostra que talvez ainda seja a rainha das comédias em Hollywood. Na trama, como uma escritora de romances baratos (mas lucrativos) de aventura, ela e o modelo da capa de seus livros (Tatum) vão parar em uma ilha desconhecida e perigosa (inclusive com um vulcão em erupção), depois que ela é raptada por um bilionário excêntrico (Daniel Radcliff). O filme tem espaço para algum romantismo, mas sempre associado ao riso e à comédia (vide a cena da rede) e para a ação.

Curiosamente, nos últimos tempos eu tenho tido bem pouca paciência para esse tipo de aventura que se passa em lugares exóticos (talvez pelo excesso de CGI nas paisagens e nos efeitos usados atualmente), mas temos que lembrar que o apelo popular desse tipo de filme já remonta à época do cinema mudo. No ano passado mesmo, acabei vendo o trabalho que Fritz Lang fez nesse gênero, em momentos distintos de sua carreira, como as duas partes de AS ARANHAS e a dupla de filmes O TIGRE DA ÍNDIA e O SEPULCRO INDIANO. E isso aconteceu porque havia um tipo de pulp fiction que era bastante consumida antes mesmo do advento do cinema.

Sobre CIDADE PERDIDA, o filme tem sido bastante comparado a TUDO POR UMA ESMERALDA, de Robert Zemeckis, a aventura oitentista que vi na televisão na aurora da minha cinefilia e de que tenho pouca lembrança – mas creio que ainda deva permanecer um ótimo filme, dado o talento do diretor. E basta pegarmos a sinopse para ver coisas em comum, como o fato de ambas as protagonistas femininas (Bullock aqui e Kathleen Turner no filme de Zemeckis) serem romancistas e irem parar em lugares selvagens em situações perigosas e descobrindo o amor naquele ambiente inóspito.

E eu nem sei afirmar (ainda?) se CIDADE PERDIDA é fruto de um trabalho de mestres do cinema ainda pouco reconhecidos e que ainda se farão perceber como tais – assim como Zemeckis já era considerado um mestre em sua época, mesmo que sob a asas de Spielberg. O fato é que o filme estrelado por Bullock deve muito de sua força à presença da atriz e por isso resolvi dedicar o texto a ela, principalmente. Afinal, o que seria de Hollywood sem o carisma de suas estrelas?

+ DOIS CURTAS

PREMONITION FOLLOWING AN EVIL DEED

O curta de apenas um minuto que David Lynch fez para o projeto que celebrou os 100 anos do cinema (LUMIÈRE E COMPANHIA) possui imagens tão fascinantes que ficamos na torcida para que um dia o cineasta resolva transformá-las em um longa, ou pelo menos em um curta mais longo, mais desenvolvido. A proposta feita aos cineastas que toparam o projeto era usar as mesmas câmeras e trabalhar com as mesmas limitações técnicas daquele fim de século XIX. A sinopse de PREMONITION FOLLOWING AN EVIL DEED (1995) diz: “a short film about the events following a murder”. Assim, vemos a imagem de um corpo morto, três policiais avançando diante da tela, a imagem de uma mulher que parece sentir a presença de algo ou alguém, e há algo muito aterrador, que parece saído de um filme de terror e ficção científica. Mas tudo muito rápido, feito para ser visto e revisto. Já havia visto há cerca de vinte anos, mas é algo que, quando sai da memória de rápido alcance, começa a povoar outros segmentos da nossa mente.

MODELO MORTO, MODELO VIVO

Uma mulher trans, Manuela, se candidata a modelo para ser desenhada por estudantes de uma oficina de desenho. É barrada logo na entrada, claramente pela sua identidade. MODELO MORTO, MODELO VIVO (2020), de Iuri Bermudes e Leona Jhovs, manifesta um amor muito grande por seus personagens, a protagonista e seu interesse amoroso. E há uma fluidez narrativa que faz com que os 25 minutos pareçam 10 ou até menos. O fato de que o Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQI+ no mundo, por mais que seja conhecido, é importante que seja relembrado. Assim como é importante que filmes como este sejam vistos por mais pessoas, já que nossa sociedade precisa ter sua compreensão do outro, do sentimento do outro, melhor trabalhada.

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