domingo, abril 10, 2022

ONIBABA - A MULHER DEMÔNIO (Onibaba)



Em tempos de “revolta das máquinas” aqui em casa, vou procurando diminuir o intervalo de postagem para o blog (que já é de uma semana!) escrevendo escrevendo sobre o fascinante ONIBABA - A MULHER DEMÔNIO (1964), de Kaneto Shindô, que integra a seleção de clássicos do horror japonês presentes no box Obras-Primas do Terror Vol. 5. Meu conhecimento de cinema de horror japonês (de cinema japonês em geral, eu diria) é cheio de lacunas, é muito limitado, mas nunca é tarde para ir conhecendo as obras mais reverenciadas. 

O que mais me deixou surpreso ao ver este filme foi o quanto, na maior parte de sua metragem (cerca de 100 min), ONIBABA parece se distanciar do rótulo “horror”, pelo menos de um horror mais sobrenatural. Já adianto (spoiler!) que isso muda em seu desfecho, o que alguns críticos veem como uma falha. Eu, ao contrário, achei esse aspecto muito interessante. Até porque eu já havia aceitado que era horror suficiente ter duas mulheres matando samurais e roubando seus pertences como forma de sobrevivência em um Japão sofrendo com uma guerra civil no século XIV. Depois do primeiro assassinato, ocorre uma quase naturalização desses eventos, já que eles fazem parte de uma situação de desespero e necessidade. Há outra cena em que as duas mulheres matam um cachorro para se alimentar.

Essa rotina, por assim dizer, é interrompida quando um homem retorna da guerra e as visita. Este homem é amigo do filho da mulher mais velha, que por sua vez é marido da mais nova. Ele conta que seu companheiro havia morrido e ele conseguiu escapar. Com a chegada do homem e o interesse dele pela mulher mais nova (as duas mulheres não têm nome no filme), uma nova dinâmica é estabelecida. Principalmente quando se passa a enfatizar o desejo carnal dos dois jovens e o misto de ciúme e raiva da mulher mais velha, que tenta a todo custo impedir o encontro dos dois, que acontece com frequência na calada da noite, quando a jovem corre pelos juncos ao som da trilha sonora percussiva de Hikaru Hayashi. E as cenas de sexo são bastante ousadas se pensarmos que estamos em 1964, e de fato a sexualidade intensa do filme foi um elemento que chamou muita atenção na época de seu lançamento. Mas, como o próprio Shindô diz, o sexo no filme não é dado a perversões, ele é apenas realisticamente selvagem. Afinal, os dois personagens são jovens com a libido em alta.

O filme tem uma virada impressionante a partir do momento em que a mulher mais velha recebe a visita de um samurai usando uma máscara de demônio. A princípio, ela teme esse homem, pela máscara horripilante que ele usa, mas o homem pede que ela o ajude a encontrar uma saída daquele lugar. O sujeito também diz que nunca tira a máscara, pois ele tem um rosto muito bonito, que a mulher se apaixonaria por ele se o visse. Ao livrar-se do homem e enxergar seu rosto, ela passa a usar a máscara para aterrorizar a nora em suas escapadas noturnas. E esses momentos preparam a narrativa para um final aterrorizante.

A sintética crítica do filme presente no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer atribui o rosto deformado por detrás da máscara como sendo o hibakusha, ou seja, o rosto de uma vítima da bomba atômica. Isso faz muito sentido se pensarmos que, se as feridas das duas bombas ainda são sentidas até hoje pelo povo japonês, imagine em 1964. Além do mais, essa conexão faria ainda mais sentido com o tom mais realista que Shindô utiliza na maior parte da narrativa. E ele faz isso trazendo no final um sentimento de horror e perturbação singular na cena das mulheres lutando para arrancarem a máscara de demônio. Sem dúvida, um dos maiores clássicos do gênero já realizados.

+ DOIS FILMES

O ESQUELETO DA SRA. MORALES (El Esqueleto de la Señora Morales)

Fechei o primeiro box Horror Mexicano, spin-off de Obras-Primas do Terror, da Versátil (o segundo está à minha espera), e fiquei bastante satisfeito com todos os seis filmes presentes. Cada um deles é muito singular. O ESQUELETO DA SRA. MORALES (1960), de Rogelio A. González, não é um filme de horror convencional. Ele nos coloca no ambiente tóxico de uma casa onde vivem um homem que trabalha com taxidermia e uma mulher, a Sra. Morales, do título, que faz o possível para encher a paciência do sujeito, além de contar mentiras para o padre da cidade e suas amigas beatas a respeito dele. Há um quê de Edgar Allan Poe no protagonista e em sua teoria sobre a execução do crime perfeito. Há, inclusive, uma citação de "O Coração Denunciador", do mestre dos contos de horror. Junte-se a isso o senso de humor todo particular, temos um filme que, no mínimo, merece muito nossa atenção. Dos seis filmes do box, O ESQUELETO DA SRA. MORALES é o mais mundano e realista.

O CREMADOR (Spalovač Mrtvol)

Não foi um filme fácil pra mim, talvez por vê-lo sofrendo incômodas dores no corpo e o que o diretor Juraj Herz oferece não é diversão. Mas é fascinante ver uma obra tão ímpar, tão singular como esta. A própria montagem de O CREMADOR (1969) é um caso à parte. Há saltos de uma cena para a outra ao mesmo tempo drásticos e suaves, quase como se não percebêssemos. Uma vez que percebemos, ficamos mais atentos para essas quebras de cenário. Além do mais, o protagonista é fascinante em sua fala e também em sua narração monótona, do início ao fim. E o que é aquele uso do pente nos mortos? Ele penteia os mortos no caixão e em seguida usa o pente em si mesmo ou em seus filhos adolescentes. Na trama, ele é um homem que trabalha em um crematório e que se delicia com a cremação. A história de acreditar que as almas das pessoas desencarnadas logo procurarão um novo corpo, a partir do que ensina o livro tibetano dos mortos, parece até uma desculpa para sua maldade. Que, claro, tem tudo a ver com o nazismo, os campos de concentração e os banheiros dos campos. Filme visto no box Obras-Primas do Terror Vol. 11.

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