sexta-feira, janeiro 07, 2022

O DESERTO VERMELHO (Il Deserto Rosso)



Comecei o ano com a revisão de um clássico moderno de Michelangelo Antonioni que havia visto muito tempo atrás em VHS. Nem é preciso dizer que as lembranças de O DESERTO VERMELHO (1964) estavam praticamente apagadas, com exceção talvez de certa ambientação, certa estranheza e um tom de melancolia que haviam ficado guardadas um pouco. Rever agora em um BluRay (box Antonioni Essencial, da Versátil) fez destacar aquilo que provavelmente foi o que mais saltou aos olhos do público quando de sua primeira exibição pública, no Festival de Veneza, quando ganhou o Leão de Ouro.

Primeiro filme em cores de Antonioni, e feito logo após o sucesso de crítica da trilogia da incomunicabilidade composta por A AVENTURA (1960), A NOITE (1961) e O ECLIPE (1962), este novo filme captava, como uma antena, o espírito da época. E talvez nem fosse tudo mérito do cineasta, já que, se formos ver o que vinha sendo produzido naquele momento, principalmente nos países que já se abriam para cinemas novos, como Itália, França, Inglaterra, Japão e Brasil, algo muito diferente estava acontecendo no mundo, e isso se materializava em imagens. Aliás, materializar-se talvez nem seja o verbo correto, pois há algo de etéreo e muito pouco palpável no cinema dessa época. Um cinema mais interessado em usar algo próximo de uma inteligência mais intuitiva do que racional.

Nos filmes anteriores, Antonioni já procurava expressar, através do sentimento de vazio, o espírito de ansiedade da época. Isso se mantém ou se amplifica em O DESERTO VERMELHO, com Giuliana, a personagem de Monica Vitti, sua esposa, na época, andando pelas ruas de uma cidade que parece cenário de ficção científica, com o progresso aparecendo como uma coisa ameaçadora, grandiosa e destrutiva para o meio ambiente. Curiosamente, Antonioni conta em entrevista nos extras do box que não há relação entre aquele ambiente e a situação psicológica de Giuliana, que tem problemas de socialização e de ansiedade, provocadas por um suposto acidente automobilístico. Mais adiante saberemos mais sobre seu passado. A cidade apresentada no filme, Ravena, fica próxima da cidade-natal do diretor, Ferrara, e foi escolhida justamente pelo aspecto de lugar pós-apocalíptico. 

Logo no início do filme, andando com o filho pequeno em direção à fábrica onde o marido trabalha, ela compra um sanduíche mordido de um homem. Oferece um pedaço à criança, que diz não querer. Aquilo já acentua o grau de ansiedade dela, que não quer comprar na banquinha mais à frente, desejando comer naquele exato momento. Ao chegar à fábrica para falar com o marido Ugo (Carlo Chionetti), conhece um homem chamado Corrado (Richard Harris), um homem que ficaria bastante interessado em Giuliana. O fato de ele ouvi-la muito mais do que o marido, um sujeito relapso, faz com que ela se aproxime mais dele, passeie com ele pela cidade, uma aproximação feita aos poucos, de maneira cuidadosa.

É fácil se apaixonar pela linda fotografia deste primeiro filme colorido de Antonioni, assim como é fácil se apaixonar por Monica Vitti, mesmo neste papel de mulher atormentada e desorientada, embora pareça estar mais próxima de uma suposta verdade do que aqueles homens e mulheres sãos ao seu redor. Mas não é fácil adentrar nos mistérios e nas entrelinhas do filme, nos silêncios entre as conversas, na geografia às vezes confusa, embora seja bem compreensível se colocar um pouco nos sapatos daquela mulher carente de compreensão, e que talvez por traumas recentes se vê indisposta a fazer sexo com o marido.

Quase tudo no filme me parece tão nebuloso quanto a neblina e a fumaça do ambiente cinza. Gosto muito de uma cena em que um grupo de adultos bebe e fala sobre sexo e parece estar muito à vontade e sem muitos ciúmes de seus respectivos cônjuges, manifestando carícias íntimas, passando no ar um clima talvez libertário daquela década. 

E isso acontece dentro de um tipo de melancolia que Antonioni abraça. Mesmo nos momentos de risadas e toques nos corpos, o desconforto, a depressão, uma névoa negativa estão ali, prestes a assombrar a todos, embora talvez apenas Giuliana seja suficientemente sensível para perceber.

+ DOIS FILMES

O EMISSÁRIO DE OUTRO MUNDO (Not of This Earth)

Interessante mix de horror com sci-fi, que era algo muito comum na década de 1950, os anos nucleares, de maior temor pelo fim do mundo advinda de uma grande bomba. Em O EMISSÁRIO DE OUTRO MUNDO (1957), de Roger Corman, temos uma história de invasão alienígena envolvendo um homem de óculos escuros capaz de matar as vítimas apenas com seu olhar e em seguida sugar o sangue delas com aparelhos que carrega em sua maleta. Sua função na Terra é misteriosa, mas vai ficando mais clara à medida que vemos suas conversas com seus superiores. É curioso (e divertido de ver) o quanto o diretor economizava de maneira muito inteligente em pequenos detalhes, como a própria capacidade dos aliens de conversar telepaticamente. Na cena da banca de revistas, por exemplo, em que os dois aliens conversam, não foi preciso treinar muito a atuação; é só incluir depois o áudio. Beverly Garland, a heroína do filme, tem bastante carisma e é responsável pelas melhores cenas. Curiosamente, ela foi protagonista de um outro filme B que vi no ano passado, THE ALLIGATOR PEOPLE, além de estrelar outras obras de Corman. Filme presente no box Clássicos Sci-Fi Vol. 3.

PÂNICO NO ANO ZERO (Panic in Year Zero!)

Muito interessante este sci-fi com sabor de western dirigido e estrelado por Ray Milland. PÂNICO NO ANO ZERO (1962) é sobre uma família que sai para passar uns dias nas montanhas e descobre que sua cidade - um distrito de Los Angeles, entre outras tantas nos Estados Unidos e no mundo - foi bombardeada como consequência do que seria uma terceira guerra mundial - a comunicação é conseguida de maneira muito precária, pelo rádio. Então, pai, mãe, filho e filha procuram sobreviver em um mundo em que a civilização é deixada de lado. Interessante o uso da trilha jazz sessentista em algumas passagens, causando estranheza, como na cena em que dois caras abusam sexualmente de uma garota. Há um teor apelativo no filme, mas para os olhos de hoje parece suave a intenção erótica. Gosto mais da primeira metade do que da segunda, mas é um filme que me surpreendeu positivamente em muitos aspectos. Uma grande vantagem da curadoria da mídia física da Versátil: fazer eu ver filmes que dificilmente veria, por desconhecer a existência deles. Título presente no box Clássicos Sci-Fi Vol. 3.

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