terça-feira, janeiro 11, 2022

12 CURTAS BRASILEIROS



Muito bom poder ter a chance de ver alguns dos curtas-metragens mais interessantes exibidos nos festivais no ano passado. Eis a primeira leva de 12, sendo que alguns deles foram vistos na última edição do Cine Ceará, entre novembro e dezembro.

A BELEZA DE ROSE

Há filmes que necessitam de um tempo para maturação e compreensão. Na verdade, a maturação e compreensão vem de nossa parte. A BELEZA DE ROSE (2020), de Natal Portela, tem uma força que eu não tinha percebido da primeira vez que o vi (acho que em 2020). Trata de situações ao mesmo tempo sutis (para quem não sofre) e violentas (para quem sofre) da cultura racista brasileira. Apresenta uma rotina de procurar emprego de uma jovem moça negra do interior do Ceará. Achei uma pedrada (literalmente) a cena da Xuxa. O embranquecimento ou a naturalidade da presença do branco em nossa sociedade é tão poderoso que é preciso uma maior percepção da violência que às vezes deixamos passar.

A DESTRUIÇÃO DO PLANETA LIVE

Acho muito bacana o modo como Marcus Curvelo usa seus filmes como uma forma de exorcizar seus demônios, gritar de desespero por causa de suas desgraças pessoais e das desgraças de nosso país. Em A DESTRUIÇÃO DO PLANETA LIVE (2021), ele segue essa linha, mas misturando o desespero com uma imaginação muito próxima da esperança. Gosto muito do momento que o amigo dele começa a dizer como será o Brasil do futuro, o Brasil que terá a eleição de 2018 cancelada, Lula retornando, justiça social, reparação histórica etc. É bonito de ouvir, mas ao mesmo tempo, é também possível perceber o cansaço psicológico provocado por esses anos causando ceticismo.

CÉU DE AGOSTO

Daqueles curtas que parecem uma preparação para um longa (e eu torço para que um dia chegue a ser), mas que não perde a sua força de síntese no que pretende mostrar. CÉU DE AGOSTO (2021) apresenta uma enfermeira de São Paulo que está grávida e atravessando problemas que não sabe muito bem o que são. Enquanto isso, a floresta amazônica está queimando, síndromes respiratórias aumentam nos hospitais, ela passa a frequentar uma igreja pentecostal e o filme passa a se encaminhar para um clima apocalíptico. Exibido em Cannes-2021.

EDNA

Filmado com a câmera de um celular, EDNA (2018), é narrado pela própria diretora Edna Toledo, que se questiona, a partir de imagens de inúmeros exames, receitas médicas, caixas de remédio, fotos pessoais etc. o motivo real de sua dor. É um filme que causa certo mal estar, principalmente para quem também está sentindo alguma dor no corpo ou já tem um histórico médico também extenso. Quanto ao formato, achei muito inventivo, simples e impactante. Ainda estou tentando processar esse impacto, inclusive.

UMA PACIÊNCIA SELVAGEM ME TROUXE ATÉ AQUI

Muito bom ver um filme sobre libertação e enfrentamento em uma sociedade repressora como a nossa. No caso, UMA PACIÊNCIA SELVAGEM ME TROUXE ATÉ AQUI (2021), de Érica Sarmet traz pelo menos duas artistas famosas em papéis muito bonitos. Zélia Duncan e Bruna Linzmeyer, conhecidas ativistas dos direitos LGBT, comparecem nesta história sobre uma mulher lésbica mais velha que conhece um grupo de jovens em uma festa e parte para o apartamento delas para conversas sobre o assunto, com direito a belas cenas sensuais protagonizadas pelo grupo, o que só aumenta ainda o grau de atrevimento do filme. Muito boa a versão de "Calada Noite Preta", por Zélia Duncan.

CHÃO DE FÁBRICA

Poxa, que filme lindo este CHÃO DE FÁBRICA (2021, foto), de Nina Kopko. Desde a escolha da fotografia com um visual que remete ao fim dos anos 1970, até as excelentes interpretações do quarteto de mulheres, passando pelas importantes menções a um certo operário e ao tom agridoce do futuro de cada uma delas, tudo me parece acertado. A história se passa dentro de um banheiro, o único lugar possível em que as mulheres podiam almoçar durante o horário de intervalo numa fábrica no ABC Paulista. Há vários momentos de arrepiar e é muito tocante o modo como o filme trata com carinho cada uma delas, por mais que a duração seja de apenas 24 minutos.

GARGAÚ

Muito interessante o formato de GARGAÚ (2021), de Bruno Ribeiro, aparentemente feito de maneira improvisada e espontânea. Na trama, rapaz que vai para Gargaú recebe carona de grupo de jovens que seguem a caminho do litoral do Rio de Janeiro. Antes de chegarem ao destino final, passam na casa da avó do rapaz. O filme tem um quê de saudosista (a Jovem Guarda tocando no carro, as fotos da avó, as imagens no celular), ora parece uma declaração de amor do cineasta a sua avó. Há uma senso de humor muito interessante na cena da refilmagem, sem perder a beleza do momento e das imagens.

O NASCIMENTO DE HELENA

O filme começa com uma frase bem impactante: "Meu grande sonho, o sonho da minha vida, era destruir uma família.". Logo dá para ver que se trata de um filme bem atrevido em muitos aspectos. Há a narração, que tem sido um recurso muito bom e bastante usado em alguns curtas recentes, um tipo de narração mais confessional, que me agrada; e há aqui também o diferencial visual, que é um tipo de animação experimental e também baseada em vídeos (ou fotos). Mas o que mais conta mesmo em O NASCIMENTO DE HELENA (2021), de Rodrigo Almeida, é a história do narrador, sua relação com um homem casado hétero, apresentada de maneira bem crua e sem censura.

O QUE OS MACHOS QUEREM

Nem todo filme precisa ser agradável. Alguns precisam ser mesmo deliberadamente desagradáveis. É o caso de O QUE OS MACHOS QUEREM, de Ana Diniz, baseado em conto homônimo de Ruth Ducaso. No filme, vemos uma mulher preparando um cozido do que seria um homem. O que mais me incomodou foi ver a carne crua, pedaços crus (fígado, vísceras), e, nesse sentido, o filme mirou na questão do feminicídio e acertou no vegetarianismo. Assim, acabei não conseguindo me concentrar na narração, cheia de veneno, da mulher. Produzido com quase toda a equipe composta por mulheres, o filme é um grito de revolta aos mais de 1.300 casos de feminicídio registrados no Brasil em 2020.

O RESTO

Classificado como documentário híbrido em sua descrição, O RESTO (2021), de Pedro Gonçalves Ribeiro, é desses filmes que borram as fronteiras entre documentário e ficção e, dentro do que ele apresenta, é ao mesmo tempo divertido e comovente. O humor trazido a partir da situação da senhora que é dada como oficialmente morta se mistura com a voice over do narrador (o diretor, provavelmente) que nos faz lembrar que o tema tratado é, sim, bastante sério, envolvendo invisibilidade, morte e a maneira como alguém passa a ver o mundo. Trata-se também de um olhar triste do diretor para sua cidade, Belo Horizonte.

SIDERAL

A julgar pelo que pude entrar em contato com o cinema de Carlos Segundo, principalmente após ter me apaixonado por DE VEZ EM QUANDO EU ARDO (2020), fico imaginando que uma revisão de SIDERAL (2021) deve aumentar e muito a apreciação do filme, já que todo o cuidado visual e rigoroso salta aos olhos logo nas primeiras imagens. Além do mais, o fato de ter sido filmado em janela "clássica" 1,33:1 e em preto e branco traz essa sensação de que, visto mais de perto, na telona, se torna ainda mais belo, já que há uma questão envolvendo um foguete, embora o formato também privilegie os close-ups (como bem sabem Brisseau ou Rohmer). A história se passa em um Brasil alternativo que tem uma missão espacial saindo do Rio Grande do Norte e há uma família que é, de certa forma, afetada por esse lançamento. Crítica política e social e senso de humor ajudam a chamar ainda mais a atenção para este filme.

O AMIGO DO MEU TIO

Não basta possuir imagens raras da infância, tem que saber aproveitá-las de modo a transformá-las em objeto de apreciação artística. Na trama deste curta, as imagens gravadas pelo pai de Vicente, o narrador, servem para contar a história da primeira pessoa por quem ele se apaixonou. É o caso de O AMIGO DO MEU TIO (2021), de Renato Turnes, em que a força das imagens é ainda mais poderosa que a força das palavras ditas, embora essas sejam bem-vindas e, na maior parte das vezes, bastante necessária. É um filme que fala não apenas às pessoas que se sentem diferentes por conta da sexualidade, mas por pessoas que se sentem deslocadas de alguma maneira. É um filme fácil de ser gostado e de capturar o espectador.

HAWALARI

O nome de Gustavo Vinagre nos créditos iniciais já indica que HAWALARI (2021), de Cássio Domingos, que deveria ter sido exibido na edição cancelada de Cannes-2020, possui elementos de cultura LGBT e um bocado de provocação. Na trama que se passa no final do século XIX, um índio de uma tribo da região de Goiás encontra um homem branco que está disposto e ansioso para estudar sua cultura. O filme brinca com a sexualidade e talvez com um pouco de fetichismo, já que o índio está nu e com pintura nos mamilos, além de ser também objeto de desejo do homem branco. Lá pelo final me desconectei um pouco e acabou prejudicando a experiência, mas é um filme estranho e interessante.

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