sábado, outubro 09, 2021

MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL (Babardeala cu Bucluc sau Porno Balamuc)



Foi uma escolha corajosa, a do júri do Festival de Berlim deste ano, dar o Urso de Ouro para MÁ SORTE OU PORNÔ ACIDENTAL (2021), do romeno Radu Jude. Principalmente pelo filme começar com uma sequência de imagens de sexo explícito, as imagens que serão o estopim para a trama que se desenrolará em seguida. Porém, o que mais interessa para o filme e para as discussões que surgem é de outra ordem que vai muito além de um vazamento de imagens íntimas. Ou seja, não é uma versão romena de SEX TAPE – PERDIDO NA NUVEM, a comédia americana estrelada por Cameron Diaz e Jason Segel.

As primeiras cenas com a protagonista Emi (Katia Pascariu) andando pelas ruas de Bucareste funcionam como um documentário sobre a sociedade da Romênia durante a pandemia, em momento pós primeiro lockdown. Logo vemos situações muito comuns às do Brasil, como as pessoas com a máscara no queixo, ou máscara frouxa, ou máscara com o nariz descoberto. Como a pandemia pegou muito mais forte no Brasil isso parece um pouco mais incômodo de ver para os brasileiros com um pouco mais de responsabilidade. Há também cenas representativas da falta de educação dos motoristas e a relação conflituosa com os pedestres.

Utilizar o registro da comédia ajuda a diminuir um pouco o sentimento de mal estar no que se refere a perceber não apenas a hipocrisia daquela sociedade do filme. Ainda há o ódio a judeus e a ciganos, que eu imaginava ter ficado para trás desde o fim da Segunda Guerra, e agora há os negacionistas do vírus (há, inclusive, alguém que diz que o vírus é uma gripezinha, vejam só!), e a extrema direita e toda essa turma. No meio disso tudo, há a trama de um vídeo de sexo caseiro que mostra uma professora de ensino médio com seu marido que vaza na internet e causa escândalo entre os pais dos alunos.

O filme é dividido em três atos e mais um prólogo e um desfecho. Gosto muito do terceiro ato, que é o que mais traz à tona a maldade, a ignorância e a hipocrisia numa verdadeira caça às bruxas à professora, e também o que mais traz discussões sobre a educação. Mas o segundo ato, composto de pequenos vídeos e textos, como uma enciclopédia caótica, é também muito interessante e cheio de imagens e frases que provocam reflexão, além de dialogarem também com a atual invasão de vídeos amadores nas redes sociais. Essa pluralidade de informações nos ajuda a entender, de modo irônico, a sociedade romena, e é também um convite à revisão do filme, quem sabe na telona, em breve.

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+ DOIS CURTAS

THE BANDIT’S WAGER

Curta presente no box Essencial John Ford, THE BANDIT’S WAGER (1916) mostra Ford como ator coadjuvante de um trabalho do irmão mais velho Francis. Acredito que a curiosidade é mais de poder ver o trabalho do irmão e de também imaginá-lo como uma possível influência para o cineasta que John (aqui ainda chamado Jack) se tornaria. A partir do ano seguinte, John Ford dirigiria seu primeiro curta. Aqui temos uma história bem simples, em que um suposto bandido mascarado pede um beijo a uma moça. Depois, devido à falta de gasolina no carro do irmão, a moça vai parar na casa do tal bandido, que é onde se passa a maior parte da ação, com a câmera na maioria das vezes parada, explorando mais a mise-en-scene, e de vez em quando closes dos dois protagonistas. É um filme leve e razoavelmente divertido.

A MÁQUINA INFERNAL

Eis um filme que, até pelo formato curto (meia hora de duração), pode permitir revisões mais rápidas e fáceis para ser melhor compreendido. Vendo A MÁQUINA INFERNAL (2021), de Francis Vogner dos Reis, lembrei de ARÁBIA, de Uchôa e Dumans, pela discussão em tom de rebeldia e tristeza em torno da escravidão imposta pelo trabalho desumano. Lembrei, por um momento de CRASH – ESTRANHOS PRAZERES, de David Cronenberg: há um personagem que tem uma mão mecânica e uma cena curiosa. O filme se inicia como um desses dramas sobre a classe operária paulista, mas logo o tom de estranheza vai crescendo e a opção pelo gênero terror ganha contornos maiores. Já faz algum tempo que é ao horror que tem se recorrido para tratar de maneira poética das injustiças e dos absurdos do mundo real.

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