quarta-feira, dezembro 14, 2016

O.J.: MADE IN AMERICA























Curioso o fato de o caso de O.J. Simpson vir à tona de maneira tão forte neste ano, que contou com a produção de dois excelentes trabalhos: a minissérie THE PEOPLE V O.J. SIMPSON – AMERICAN CRIME STORY e este documentário da ESPN que chegou a passar integralmente em suas quase oito horas de duração, mas que é conhecido mesmo por sua exibição na televisão em cinco partes. O.J.: MADE IN AMERICA (2016), além de ter ganhado prêmios em festivais, apareceu na lista de melhores do ano da Sight & Sound. E é o favorito ao Oscar de documentário. E de fato é uma obra e tanto.

Uma coisa que pode vir à mente do espectador é o quanto uma visão dos fatos pode ser mais clara depois de passado algum tempo. Para entender o motivo de um homem que matou a esposa ter sido inocentado e ter seu veredito celebrado principalmente pela população negra dos Estados Unidos no chamado "julgamento do século" tem muito a ver com a forma como os negros foram tratados em todo o país, mas principalmente em Los Angeles, pela Polícia de Los Angeles.

O caso de Rodney King, o caminhoneiro negro que foi espancado sadicamente pela polícia de Los Angeles, e cujo julgamento inocentou todos os policiais envolvidos em um crime filme e que chocou o mundo todo, não havia sido engolido pela comunidade negra americana, por razões óbvias. Além do mais, foram séculos de exploração, humilhação, assassinato, estupro, injustiça. Não é fácil deixar barato. O problema é ter como representante da comunidade negra alguém que estava pouco se lixando para a comunidade, para os direitos e os problemas dos negros americanos, mas que soube muito bem se aproveitar dessa situação para se safar.

O documentário não começa muito animador para quem não gosta de esportes, pois mostra primeiramente o começo da carreira de O.J, o seu imenso sucesso no futebol e sua popularidade também entre os brancos, já que ele virou, além de garoto-propaganda, também um ator esforçado. Quem viu CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ não deve esquecer de sua memorável participação.

O filme (ou minissérie) vai ficando melhor a cada parte, mas é importante que a ascensão de Simpson seja apresentada, de modo que a decadência se mostre imensa, como de fato foi. Além do mais, O.J.: MADE IN AMERICA também, nessa primeira parte, mostra a violência sofrida pelos negros por parte dos policiais da cidade, extremamente racistas. Tudo isso funciona como um preparatório para o que mais interessa e que é visto com muito dinamismo na minissérie que tratou de recriar com brilhantismo os eventos reais.

O documentário, porém, vai mais fundo, já que há diversos depoimentos, além de imagens de arquivo preciosas. As cenas do tribunal, por exemplo, são mostradas em paralelo com os depoimentos dos próprios envolvidos, pelo menos aqueles que aceitaram participar, como o pai de Ron Goldman e até mesmo o policial que foi desmascarado em tribunal como um sujeito ultra-racista e que acabou sendo um dos responsáveis pela não-condenação de O.J.

Algumas sequências são bem poderosas e ainda chocam, como a cena em que o perito criminal conta como O.J. agiu na noite do homicídio que vitimou a esposa Nicole Brown e o amante (ou amigo) Ron Goldman. Mas o melhor (ou pior) ainda estaria por vir, depois que o ex-jogador é inocentado, quando ele percebe que não pode mais voltar a ter a mesma vida boa que tinha, como se nada tivesse acontecido. O fato de haver a questão dos filhos é de causar aflição também. A decadência de O.J. só não é mais triste pois trata-se de uma pessoa mentirosa e fria, possivelmente um psicopata. Portanto, acompanhar de camarote sua trajetória ladeira abaixo não deixa de trazer uma ponta de prazer sádico, ainda que um prazer associado a um gosto amargo.

Afinal, trata-se da história de um homem que foi amado por muitos e que devolveu esse amor da pior forma que se pode imaginar. E o fato de o documentário ser longo se justifica, já que o caso é bastante complexo, a personalidade de O.J. é bastante complexa, para se contar em apenas duas horas. Uma história fascinante, perturbadora e marcante que ganhou um filme à altura.

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