quarta-feira, agosto 03, 2011

S. BERNARDO



É muito interessante o processo de se ler um livro e, logo em seguida, ver a sua tradução para o cinema. Antes de conferir S. BERNARDO (1972), de Leon Hirszman, fiz questão de ler o romance homônimo de Graciliano Ramos. E foi uma leitura prazerosa, com aquele estilo seco do autor e um personagem-narrador que ao mesmo tempo provoca fascínio e repúdio: Paulo Honório. Mas é a tal coisa, quando lemos um livro idealizamos em nossa mente o nosso próprio filme. Quanto ao Paulo Honório interpretado por Othon Bastos, eu até que gostei, achei perfeito até, mas a imagem que eu tinha de Madalena era outra. A Madalena de Graciliano Ramos me parecia uma mulher muito mais forte do que a apresentada no filme por Isabel Ribeiro. Acho que eu esperava uma mulher ao mesmo tempo forte e extremamente bela.

Mas isso não quer dizer que a Madalena de Isabel Ribeiro não tenha a sua graça. Hirszman quis destacar o aspecto mais misterioso da personagem, uma espécie de Capitu moderna. E isso a atriz fez muito bem. Outro ponto forte de S. BERNARDO está nos diálogos; a maioria, retirados do romance de Graciliano, com pouquíssimas alterações, dando ao filme um rigor nas falas que combina com a direção firme e a câmera geralmente estática e muitas vezes distante dos personagens. Para quem está acostumado a ver filmes com muitos close-ups, pode estranhar este trabalho de Hirszman, feito mesmo para ser visto no cinema.

Diferente de "Vidas Secas", que não dispunha de muitos diálogos e que necessitava de uma tradução muito mais inventiva da parte de Nelson Pereira dos Santos, em "S. Bernardo", diálogos não faltam, mas isso não quer dizer que Leon Hirszman se aproveitou desse fato para fazer um cinema preguiçoso. Ao contrário, seu filme parece uma pintura em movimento, de tão belos que são os enquadramentos, muitos deles em planos gerais, outros com cores distintas, outros aproveitando apenas a luz natural para obter um resultado brilhante, outro lembrando John Ford (a cena em que Paulo Honório adentra a casa de Padilha). É cinema de gente grande. E que ainda trata de assuntos muito delicados para a sua época, como a figura do grande proprietário de terras opressivo em relação aos seus trabalhadores e discussões simpatizantes ao comunismo.

Felizmente a cópia restaurada em dvd traz o filme em sua janela original (1.66:1), coisa que nem sempre podemos contar em se tratando de cinema brasileiro. Em geral, os filmes aparecem em "tela cheia" mesmo e temos que nos dar por satisfeitos. O dvd ainda conta com alguns curtas de Hirszman, como A MAIORIA ABSOLUTA (1964), no qual ele aborda o problema do analfabetismo e, o mais importante, o descaso do Governo com relação a esse povo que dá tudo de si e que não recebe nada em troca. Os outros curtas são menos interessantes, mas ainda assim valem ser conferidos. Com narração de Ferreira Gullar, CANTOS DE TRABALHO - CACAU, CANTOS DE TRABALHO - CANA-DE-AÇÚCAR e CANTOS DE TRABALHO – MUTIRÃO, todos de 1976, servem mais como registro de um tipo de trabalho mais braçal e que contava com uma tradição dos trabalhadores de cantarem durante o trabalho, um hábito herdado dos escravos, mas que também guarda raízes indígenas e europeias. MUTIRÃO é o mais interessante, principalmente para quem nunca viu o processo de se fazer uma casa de taipa. O dvd ainda conta com pequenas entrevistas de Othon Bastos e Nildo Parente (atores), Caetano Veloso (compositor), Eduardo Escorel (editor) e Lauro Escorel (diretor de fotografia).

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