sábado, agosto 09, 2008

O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO



Na época de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968), José Mojica Marins estava no auge, graças, principalmente, à popularidade do programa que ele apresentava na Rede Bandeirantes chamado ALÉM, MUITO ALÉM DO ALÉM (1967-1968), onde Mojica dirigiu 34 episódios de uma hora de duração. A Bandeirantes fez a sacanagem de não guardar as fitas desses programas e elas foram reaproveitadas, não restando sequer um registro. A mesma coisa ocorreu com o programa seguinte que Mojica fez, dessa vez na Rede Tupi, O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968), que durou treze episódios de uma hora de duração. E novamente, com UM SHOW DO OUTRO MUNDO (1981), 12 episódios de uma hora e meia de duração que Mojica realizou na Rede Record. ALÉM, MUITO ALÉM DO ALÉM serviu de oficina para a realização de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO e para o episódio de TRILOGIA DO TERROR (1968), "Pesadelo Macabro".

Naquela época, com o sucesso dos dois primeiros filmes e no auge da popularidade (só lendo o livro Maldito pra ver o quanto ele era popular), Mojica ainda fez uma frutífera parceria com o roteirista Rubens Francisco Luchetti, que trabalhou no roteiro de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO, filme em episódios composto pelos segmentos "O Fabricante de Bonecas", sobre um homem que faz bonecas com olhos humanos e possui quatro filhas bonitas; "Tara", sobre uma linda mulher que é apreciada e amada à distância por um pobre vendedor de balões; e "Ideologia", onde o próprio Mojica aparece como o professor Oãxiac Odéz (Zé do caixão, ao contrário). Na época, por questões de diretos autorais, o direito do nome Zé do Caixão dentro do filme estava nas mãos do produtor do filme anterior e o nome do personagem não podia ser citado, embora ele apareça como host do filme. Além do mais, no episódio "Ideologia", um dos personagens olha para o excêntrico professor sádico e diz que ele lhe lembra uma pessoa que ele conhece.

Dos três episódios, os que mais se destacam são o segundo e o terceiro, mas o primeiro tem a curiosa participação do cineasta Luis Sérgio Person (cujo nome Mojica pronuncia "Persão"), no papel de um dos quatro estupradores. Como Person era apreciador do cinema de Mojica, ele esqueceu que era cineasta e apenas obedeceu profissionalmente o diretor do filme em questão. E ele se saiu muito bem como ator. O segundo episódio, "Tara", se destaca dos demais por ser feito inteiramente sem diálogos, o que comprova a excepcional habilidade de Mojica como narrador de estórias. O episódio também se destaca pela ambigüidade, por ser belo e poético, mesmo mexendo com algo pesado como a necrofilia. O personagem do vendedor de balões é protagonizado pelo produtor do filme, o egípcio George Michel Serkeis, que, segundo o livro "Maldito", chegou a destruir a casa do tio para poder vendê-la e financiar O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO. Ele acreditava que, com os lucros do filme, conseguiria comprar uma casa nova novamente. Deve ter conseguido, não sei dizer. Já o terceiro episódio, o protagonizado pelo Mojica no papel de um cientista que acredita que o instinto sempre vence a razão e o amor, foi o que mais complicou o cineasta diante da censura. Não apenas por possuir cenas de canibalismo e tortura, mas pelo fato de o vilão da história não ser punido. Segundo a censura, todo filme que mostra alguém cometendo algum crime ou ato condenável deve mostrar esse indivíduo sendo punido. Assim, depois de uma longa "novela", a censura cedeu, caso Mojica acrescentasse no final, o vilão morrendo. E aí o filme acabou tendo dois finais: a cena que a censura impôs foi enxertada de um filme obscuro com Omar Shariff, conseguido pelo produtor. E ainda colocaram um versículo bíblico e a música "Ave Maria" para dar aquele tom religioso. Novamente, a censura sempre estragando o final dos trabalhos do Mojica.

O som desse filme está particularmente pior que dos dois outros anteriores, tanto que precisei de me utilizar das legendas. Vez ou outra a imagem também parecia estar deteriorada. Espero que os próximos estejam em melhores condições. Felizmente, o áudio de "Pesadelo Macabro" está bem mais compreensível e o filme inteiro, não apenas esse segmento, mereceria uma edição caprichada em dvd também. Também nota-se que não houve o mesmo capricho, como nos anteriores, no que se refere à dublagem. Mas pra quem está acostumado a ver "filme de gênero" italiano, isso é só um detalhe. :)

Quanto às entrevistas, que é por onde eu sempre começo quando pego um desses dvds da série Zé do Caixão, achei muito bacana o depoimento de Rubens Ewald Filho, que começa falando do bloqueio que ele tem das memórias de sua infância. Ele praticamente só se lembra dos filmes que viu e nada mais. Quanto a Mojica, REF se refere a ele como um gentleman, que nada tem a ver com a figura macabra do Zé do Caixão. Curiosamente, apesar de parecer gostar mais de cinema americano mainstream, Rubens Ewald Filho sempre foi apreciador dos filmes de Mojica, em especial, dos primeiros, mais artesanais. Sobre ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967), ele disse se tratar de seu filme mais redondo. Também gostei do depoimento de Marina Person, que foi convidada principalmente porque seu pai, o cineasta Luis Sergio Person, participou do filme. Ela também conta do famoso incidente envolvendo um livro sobre cinema que Mojica havia ganhado e que Person fez questão de rasgar cada página do livro, já que ele não queria que o Mojica se contaminasse, perdesse o seu talento natural com teorias sofisticadas sobre cinema. Contou também do dia em que o seu pai levou Mojica para apresentar aos seus alunos intelectuais da escola de cinema. Os alunos ficaram tirando sarro do modo de falar do Mojica, zombando dele, e que Person ficou puto e fez uma defesa sincera e forte daquele homem a quem ele considerava um gênio. O único dos alunos que entendia e gostava de Mojica era Carlos Reichenbach, que, curiosamente, foi o único da turma a se tornar cineasta de verdade. Quanto aos diretores do projeto, Paulo Duarte, como sendo produtor executivo fala mais como um empresário mesmo, agradecendo à empresa responsável pelo belo tratamento dado aos dvds. Já Carlos Primati preferiu elogiar o cineasta Mojica, fazendo comparações com diretores estrangeiros de terror e de como Mojica é comparado pela crítica a certos diretores (de Orson Welles a Ed Wood). O depoimento de George Michel Serkeis não chega a ser memorável, mas obviamente ele teve papel fundamental no filme e não poderia faltar. R.F. Luchetti fala um pouco de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO e acaba entregando spoilers dos segmentos em sua apresentação do filme - como eu vi as entrevistas primeiro, pra mim foram spoilers. :). Dennison Ramalho, um dos grandes responsáveis pela volta do Mojica nos anos 2000, e já encarado pelo próprio mestre como o seu sucessor, fala de seu primeiro contato com o Zé do Caixão, que foi através do programa UM SHOW DO OUTRO MUNDO, dos anos 80. Já o depoimento do próprio Mojica, foi o que menos me agradou dessa vez. Ele parecia não falar de forma clara suas idéias.

O extra mais especial do dvd é, sem dúvida, "Pesadelo Macabro", episódio de TRILOGIA DO TERROR - filme em segmentos no qual Ozualdo Candeias dirigiu "O Acordo" e Luís Sérgio Person dirigiu "A Procissão dos Mortos". Claro que eu preferiria ver o filme completo e não apenas o episódio do Mojica, mas infelizmente não consegui cópia. "Pesadelo Macabro" trata do eterno medo que as pessoas têm de serem enterradas vivas e é estrelada pelo companheiro de Mojica, Mário Lima, que participa no dvd também numa trilha de comentários em áudio do episódio. Mas quem acaba falando mesmo é o diretor, pois Mário, além de não acrescentar muitos comentários interessantes, acabou ficando tímido com a tarefa. Então, trata-se de mais um filme comentado por Mojica. Um dos grandes destaques é a cena do terreiro de macumba, quando mostram pessoas que já haviam participado de testes loucos do Mojica. Assim, tem um cara que come minhoca, outro que come vidro, outro que tira a roupa das mulheres com um chicote, que até hoje não deixa de ser impressionante. Isso foi antecipador do SHOW DE CALOUROS, o programa do Silvio Santos que nos anos 70/80 também mostrava gente fazendo algumas barbaridades.

Sobre os demais extras. Entre os trailers, talvez a única novidade seja o trailer "em slides" de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO, com a música de apresentação ao fundo; novamente, Cid Vale faz mais uma bela e sintética explanação do filme na opção Carcasse.com.; há duas trilhas de comentário, uma com Mojica, Primati e Paulo Duarte e outra com R.F. Luchetti (a do Luchetti, eu não cheguei a ouvir); cenas de Mojica trabalhando na 89 FM; e um making of da animação em stop motion que abre todos os dvds. O restante é o de praxe na coleção: áudio com trechos de Mojica contando estórias de horror para a 89, trailers originais, a enquete de rua "Quem tem medo do Zé?", histórias em quadrinhos e roteiros difíceis de visualizar pela televisão e um artigo de Carlos Primati sobre o filme. É extra que não acaba mais. Enquanto isso, eu vou aguardando o ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO (2008) aportar por aqui. Felizmente, o filme ganhou destaque até na revista SET, que deu capa e uma matéria generosa e uma interessante lista dos 15 melhores filmes de terror brasileiros de todos os tempos, além de uma pequena e hilária matéria escrita por André Barcinski. Vale conferir.

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