domingo, março 31, 2024

SHAMPOO



Tenho muitas lacunas em se tratando de Nova Hollywood. E ultimamente tenho tido muito interesse em me aprofundar um pouco mais neste período tão interessante e rico do cinema americano. SHAMPOO (1975) é um filme que não me interessava tanto em ver, principalmente por uma nota não muito animadora da sessão “videolançamentos” da revista SET (cá estou eu falando da revista novamente). Além do mais, acho que não ia muito com a cara do Warren Beatty. Se o filme fosse visto como algo como uma obra-prima incontestável por muitos críticos, é bem possível que eu já o tivesse visto há muito tempo (ou não, quem sabe).

O que me chamou a atenção para ele agora foi a retomada da leitura de Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock’n’Roll Salvou Hollywood, de Peter Biskind. O filme é destacado pelo autor do livro como uma obra importante na história desse movimento/período, principalmente pelas histórias de bastidores, que envolvem Warren Beatty, o cara que fez acontecer para que o filme se materializasse, inicialmente colocando seu próprio dinheiro e depois fazendo um jogo entre diferentes estúdios (Columbia, Warner, Paramount) para dar a entender que seu projeto estava sendo muito valorizado em Hollywood, que seria um grande sucesso. Depois de conseguir o aval da Columbia, Beatty foi atrás de diretor e roteirista – ele tinha “apenas” os principais nomes do elenco, ele mesmo, Julie Christie, Goldie Hawn, Lee Grant e Jack Warden, além do diretor de fotografia Lászlo Kovacs, de SEM DESTINO e CADA UM VIVE COMO QUER. Só depois seriam contratados o roteirista Robert Towne e o diretor Hal Ashby.

Filme mais interessante do que realmente muito bom, SHAMPOO acabou ficando importante como estudo político e comportamental da sociedade americana da época. A história se passa em 1968, nas vésperas da eleição de Nixon, mas como o filme foi lançado em 1975, o tom pessimista daquele momento contamina naturalmente o humor, que é daquele tipo mais para sorrir do que para rir. Além do mais, como é característico dos filmes da Nova Hollywood do período, há um interesse maior nos personagens do que na trama.

Temos Beatty como um cabeleireiro mulherengo que tem sua namorada atual (Goldie Hawn, um encanto, e sempre trajando microvestidos), mas que segue seu instinto predatório. Em determinado momento, ele chega a transar com a amante, a filha da amante e a amante do marido da amante, vivida por Julie Christie, que já havia sido sua namorada no passado. O interessante é que o contexto político ali presente não é apresentado de maneira tão pesada ou dramática. É como se todos que ali vivem estivessem mais interessados em suas vidas particulares, em manter seus amantes e amores por perto, muito mais por carência afetiva do que por um sentimento mais nobre, por assim dizer.

Há uma cena com a personagem de Julie Christie, bêbada, em que ela fala que seu maior desejo é chupar o pau do personagem de Beatty, um comentário nada comum então nos filmes hollywoodianos. Ou seja, SHAMPOO começa um processo de maior liberdade de mostrar conversas mais explícitas entre as mulheres sobre seus desejos. Há também uma cena bem interessante, numa festa bacana, com gente que tira a roupa e usa muitas drogas ao som do rock daquele fim dos anos 1960 (toca “Sgt. Pepper’s Lonely Heart’s Club Band” e “Lucy in the Sky with Diamonds”, dos Beatles, “Mr. Soul”, do Buffalo Springfield, “Manic Depression”, do Jim Hendrix etc.).

Outro aspecto interessante está no quanto o filme não envelhece mal para os dias de hoje, já que é mais um comentário ácido sobre a rotina de adultérios e mentiras da sociedade da época do que uma defesa do estilo galinha de ser do cabeleireiro de Beatty, que em vários momentos se apresenta como alguém perdido e cansado daquilo que construiu para si mesmo. A cena da confissão dele para a personagem de Goldie Hawn traz um pouco do incômodo que ele sente (e a dor dela), por mais que ele tenha dito antes para a personagem de Christie que era ela quem ele amava etc.

Filme visto no box O Cinema da Nova Hollywood 7, que conta, nos extras, com uma entrevista com Beatty e um ótimo bate-papo entre dois críticos de cinema sobre a produção.

+ DOIS FILMES

O MELHOR ESTÁ POR VIR (Il Sol dell'Avvenire)

Depois de dois melodramas, MIA MADRE (2015) e TRE PIANI (2021), e um documentário, SANTIAGO, ITÁLIA (2018), Nanni Moretti volta ao tom mais cômico que tanto alegrou seus fãs, embora certo amargor ainda esteja presente, como é natural da vida. Mas o tom de O MELHOR ESTÁ POR VIR (2023) é de leveza, mesmo quando há algo mais pesado presente, como uma crise conjugal e uma visão de desfecho extremamente pessimista para o cineasta vivido pelo próprio Moretti. Há vários momentos de fazer rir, e a gente percebe que nesses momentos é o próprio diretor fazendo rir de si mesmo, de sua incapacidade de se conformar com as mudanças, inclusive da forma como ele vê o cinema e a política, mas também deixando claros seu entusiasmo e sua paixão pelo cinema. O filme dentro do filme é sobre um fato ocorrido com pessoas ligadas ao Partido Comunista Italiano durante os anos 1950. Mas, nos bastidores, uma de suas atrizes teima em lhe dizer que seu filme é sobre amor, o que lhe deixa confuso. O MELHOR ESTÁ POR VIR vai ficando melhor à medida que pensamos nele. Quanto ao elenco, gosto muito de Margherita Buy, que tem feito filmes com Moretti desde pelo menos O CROCODILO (2006).

TODOS MENOS VOCÊ (Anyone But You)

Bom ver que as comédias românticas não foram de todo extintas em Hollywood. Estão sendo um pouco repensadas para os novos tempos, embora TODOS MENOS VOCÊ (2023) lembre algumas dirigidas pelos irmãos Farrelly. Trata-se também de um veículo para promover o talento de Sydney Sweeney, jovem atriz em ascensão que tem procurado alguns filmes interessantes para seu currículo e aqui parece querer seguir um pouco os passos de Cameron Diaz. O diretor Will Gluck é o mesmo de outra comédia romântica bem simpática, AMIZADE COLORIDA (2011), e aqui brinca com situações envolvendo um desentendimento de um casal que tem uma ótima química no primeiro encontro, mas que depois acabam virando meio que inimigos. Os dois precisam fingir estarem juntos no fim de semana do casamento entre uma amiga e uma familiar em comum. A lembrança que o filme traz de Muito Barulho por Nada, a peça de Shakespeare, é explícita e o formato da trama às vezes lembra essa comédia clássica, inclusive há pouco (ou nenhum) uso do telefone celular. Não sei se isso foi proposital ou apenas necessário para a trama fazer a gente se esquecer do mundo além daquela praia linda da Austrália. Gosto também de como o filme lida com gags um pouco mais apimentadas e físicas, como a cena da aranha, que explora, inclusive, a nudez de Glen Powell e eleva a classificação indicativa. TODOS MENOS VOCÊ é leve, divertido e no final até me fez lembrar HARRY E SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO, embora esteja anos-luz do texto brilhante de Norah Ephron. No mais, foi bom rever Rachel Griffiths, agora no papel coadjuvante da mãe da personagem de Sydney. Nos anos 2000, eu era apaixonado por Brenda, sua personagem da saudosa série A SETE PALMOS. O tempo voa.

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