sábado, junho 24, 2023

VAMPIROS DE ALMAS (Invasion of the Body Snatchers)



“Todos nós endurecemos um pouquinho nossos corações, ficamos insensíveis. Só quando temos de lutar para continuar humanos percebemos como isso é precioso para nós, como é estimado e importante.”
Dr. Miles J. Bennell (Kevin McCarthy), protagonista de VAMPIROS DE ALMAS

Os livros temáticos que a Versátil Home Video tem publicado e lançado inicialmente junto com seus pacotes também temáticos têm me ajudado a priorizar certos filmes que são destacados nos livros. E alguns desses filmes eram até então desconhecidos por mim, até mesmo de ter ouvido falar, casos de vários títulos de sci-fi, que aparentemente é um gênero ainda mais nichado que o terror, e talvez mais marginalizado ainda. O caso de VAMPIROS DE ALMAS (1956), de Don Siegel, no entanto, é diferente. Sempre foi um filme muito lembrado e eu já havia visto no início de minha cinefilia. Eu diria, inclusive, que, dos dez filmes destacados no livro Clássicos Sci-Fi – Dez Filmes Essenciais da Coleção (de capa linda!), o filme de Siegel é o mais famoso e popular.

Talvez a popularidade do filme tenha se dado, em parte, ao fato de que sua história parece estar sempre viva. Cada nova versão dela – INVASORES DE CORPOS (1978), de Phillip Kaufman, OS INVASORES DE CORPOS – A INVASÃO CONTINUA (1993), de Abel Ferrara, e INVASORES (2007), de Oliver Hirschbiegel – fala a um momento específico e sociopolítico da humanidade, ou pelo menos da sociedade ocidental. Além disso, há sempre o fascínio da própria premissa: imagine que as pessoas que você conhece – amigos e familiares – passassem a se comportar de maneira tão estranha que você teria absoluta certeza que eles não são realmente eles, mas alguém ou alguma coisa que assumiu seus corpos, que a essência do que eles são houvesse desaparecido.

A grande vantagem do filme de Siegel é que essa sensação vai acontecendo de maneira gradual, e sendo uma obra de baixo orçamento, não há tanto investimento assim em efeitos práticos, embora tudo que seja mostrado usando esses efeitos seja perfeitamente crível, até porque as vagens parecem mesmo plantas. Além do mais, o preto e branco ajuda bastante a disfarçar possíveis falhas, se é que podemos chamar assim esse tipo de limitação técnica da época ou do que o dinheiro poderia comprar. O que mais importa é o quanto o filme mexe com a gente e o quanto o suspense vai se construindo de maneira gradual até chegar ao terror que é o terceiro ato.

A primeira vez que vi VAMPIROS DE ALMAS foi numa fita VHS que trazia a versão colorizada por computador, moda na época. Fiz questão de retirar a cor da televisão de modo a ver o filme no seu preto e branco original. Em apenas 80 minutos, Siegel conta esta história incrível sobre um médico de uma pequena cidade da Califórnia que começa a ficar intrigado com alegações de pessoas do local de que familiares não são mais eles mesmos. Encarado inicialmente como uma espécie de histeria coletiva por um psiquiatra, a situação ganha ares de horror na cena que mostra o casal de protagonistas vê um corpo em formação, prestes a assumir a identidade de um dos amigos deles.

VAMPIROS DE ALMAS é uma aula de como fazer cinema sci-fi de baixo orçamento, com poucos recursos, de invasão alienígena, sem precisar de grandes efeitos ou produção luxuosa. Produções boas e baratas eram o forte de Siegel, que se aventurou em westerns, filmes de guerra e policiais, tanto os filmes noir dos anos 1940-50, quanto alguns clássicos setentistas marcantes, no final de sua carreira. O diretor, aliás, fez uma belíssima transição da Velha Hollywood para a Nova.

Além do mais, seu filme pode ser tanto um novo exemplar do cinema sci-fi daquela década sobre a ameaça comunista, como uma obra antimacarthista, já que há o temor de se tornar alguém que pensa igual ao coletivo, perdendo seu ego, sua individualidade. Inclusive, Ryan Lambie, em seu livro O Guia Geek de Cinema, destaca o fato de que um dos roteiristas do filme é Daniel Mainwaring, o mesmo de O FUGITIVO DE SANTA MARTA, dirigido pelo esquerdista e Joseph Losey, e persona non grata naquela Hollywood da caça às bruxas. Conta-se que Mainwaring costumava emprestar seu nome ao trabalho de autores impedidos de trabalhar por estarem na lista negra.

Por isso, talvez seja mais provável pensar em VAMPIROS DE ALMAS como um filme crítico à política americana do que sobre o medo de uma ameaça comunista. E é compreensível que naquela época o filme precisasse ser no mínimo ambíguo para poder ser lançado e visto nos cinemas.

+ DOIS FILMES

MACABRO

A direção de Lamberto Bava não é creditada em SCHOCK (1977), mas muitos consideram seu primeiro filme na direção. O pai, Mario Bava, considerava o projeto muito mais do filho do que dele. E, curiosamente, MACABRO (1980) guarda algumas semelhanças com essa sua primeira experiência na direção, embora a ideia tenha surgido do amigo Pupi Avati, que lhe mostrou a macabra história real que inspirou a trama deste filme, que vai ficando mais interessante à medida que seus personagens vão apresentando seus segredos. O ideal é ver o filme sem ter visto o trailer ou lido nada, pois as surpresas contribuem para valorizar a obra. Há, evidentemente, uma influência de Hitchcock, especialmente de PSICOSE, mas já estamos em outro momento do terror, que aqui namora o gótico, mas se aproxima bastante do horror mais contemporâneo. Situações de assassinatos envolvendo crianças costumam trazer inquietações e incômodos e aqui não é diferente. Na trama, mulher sai de casa para fazer sexo com o amante, e a filha pequena, para se vingar dos atos de adultério da mãe, mata o irmão caçula. Daí para outra tragédia acontecer é um pulo. Gosto muito das ambientações interiores da casa, do personagem cego (Stanko Molnar) e de como suas intervenções deixam as situações ainda mais tensas, justamente pela sua deficiência física. A atriz Bernice Stegers (A CIDADE DAS MULHERES) está muito bem no papel, levando em consideração o estilo de filme, que requer aquele tipo de dramaturgia mais carregada. Visto no box Obras-Primas do Terror - Horror Italiano.

MEDUSA DELUXE

Um amigo meu disse que achava que MEDUSA DELUXE (2022) seria uma versão estendida de MEDUSA, da Anita Rocha da Silveira. Antes fosse. De todo modo, o filme de estreia de Thomas Hardiman tem a sua personalidade, o seu charme, ao brincar com o uso do único plano-sequência para contar uma história que se passa poucas horas depois do assassinato de um cabeleireiro de sucesso. Às vezes o divertido está em seguir pessoas diferentes com a câmera e ir conhecendo a geografia do lugar e os diferentes personagens, embora seja mais natural se deixar perder e curtir a beleza das cores da fotografia de Robbie Ryan (A FAVORITA). O problema é que esse recurso começou a me cansar já na metade do filme. Além do mais, saber quem é o assassino não é a coisa mais importante para um filme mais interessado na forma.

Nenhum comentário: