domingo, junho 04, 2023

TITÃS ENCONTRO: TODOS AO MESMO TEMPO AGORA – FORTALEZA, 3 DE JUNHO DE 2023



Foi difícil ir ao show de reencontro dos Titãs e não pensar no impacto do tempo em nossos corpos. Meu primeiro show da banda foi em 1995, na turnê do álbum Domingo, na Barraca Biruta, palco de tantos espetáculos antológicos naqueles anos finais do século XX. Eu estava nos meus twenties, cheio de energia para queimar em shows mais rock com guitarra no talo, e fiquei muito impressionado com a performance da banda. Era definitivamente a banda brasileira mais incrível em se tratando de apresentações ao vivo. Pelo menos quando se pensa num rock mais pedrada e também mais transgressor. Hoje em dia acho que essa aura transgressiva fica um pouco dissipada pelo tempo, mas acredito que eles ainda conseguem arrepiar algumas pessoas mais religiosas com certas canções. Quanto a meu corpo, saí com saudades de quando tinha o gás de anos atrás.

O impacto do tempo também estava presente no palco, com Branco Mello, com uma voz no mínimo muito diferente, após ter sobrevivido a um câncer de garganta e agora ter que se reinventar para cantar as faixas que lhe cabiam na banda. A ausência de Marcelo Fromer também é sentida, assim como sua presença, quando surge em cena sua filha, Alice Fromer, para representá-lo e cantar duas canções junto com Arnaldo Antunes. O peso do tempo é claramente visível, embora tenha ficado impressionado com a jovialidade e a energia de Sérgio Britto, por exemplo.

A produção do espetáculo é de tirar o chapéu, com três telões e um jogo de luzes que valoriza cada momento, e isso é sentido logo no início, quando só vemos suas silhuetas surgindo ao fundo, e depois se aproximando, enquanto os primeiros acordes de “Diversão”, no sintetizador, são ouvidos, antes de a guitarra de Toni Bellotto e a bateria de Charles Gavin trazerem empolgação para este coração, junto com o vocal de Paulo Miklos. “A vida até parece uma festa, tem certas horas que isso é que nos resta” são as frases iniciais dessa canção que tem um ar de melancolia e de certo desencanto até com as válvulas de escape da juventude, frente à solidão, à angústia e à insatisfação.

É a primeira das três faixas do clássico Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987) que abrem o show. As próximas seriam “Lugar Nenhum”, cantada por Arnaldo Antunes, e “Desordem”, cantada por Sérgio Brito. Perfeito. Entra Branco Mello, com sua voz rouca e diferente para cantar a primeira da série de quatro faixas do essencial Cabeça Dinossauro (1986), “Tô cansado”. Ele se apresenta, fala de seu drama recente, da cirurgia que salvou sua vida, e de uma maneira que pareça uma vitória. E de fato é: ele venceu o câncer e se sente muito vivo. O público manifesta apoio e grita “Branco! Branco! Branco”, carinhosamente.

Chega a vez do quinto vocalista, Nando Reis, cantando a arrepiante “Igreja”, que lembro de ter me perturbado bastante na minha juventude, por causa de certos versos. Ao mesmo tempo, fica tão difícil não gostar da paulada que é a música e daquela guitarra do Bellotto... “Homem Primata” e “Estado Violência” seguem esse bloco de canções do mais clássico dos álbuns da banda.

O show vai fornecendo um pouco mais de calma com “O Pulso”, seguido de “Comida”, ambas cantadas por Arnaldo, e “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas” e “Nome aos Bois”, cantadas por Nando. Essa última, inclusive, incluiu o nome de um certo presidente da república recente. Em seguida, entra “Eu Não Sei Fazer Música”, a única do controverso álbum Tudo ao Mesmo Tempo Agora (1991), e “Cabeça Dinossauro”, com aquele solo bonito de Charles Gavin, que oferece um dos poucos momentos de sorriso ao longo do show. Posteriormente, as imagens de videotapes caseiros que aparecem no telão, provavelmente presentes no documentário TITÃS – A VIDA ATÉ PARECE UMA FESTA (2008), trazem um ar de saudade, de reflexão sobre o peso do senhor Saturno nas vidas de oito pessoas.

E assim, após esses vídeos dos jovens Titãs, ficou perfeito ouvirmos “Epitáfio”, a canção mais inspirada da banda do século XXI, lançada no disco A Melhor Banda de Todos os Tempos da Última Semana (2001). Há quem não tenha nenhum arrependimento na vida, mas imagino que sejam poucas. É uma canção de amadurecimento, de repensar “os problemas pequenos”, de ver a importância de “morrer de amor”, de ver o sol se pôr. Linda, de fato, e antecipou o bloco de canções inspiradas no Acústico MTV (1997), quando a banda alcançou o auge da popularidade, fazendo algumas concessões para isso, como tornar seu som mais palatável, de modo a atingir um público maior. Na época, não me agradou muito (eu sentia falta das guitarras e do barulho), mas vejo que foi fundamental para a história da banda, além de ter trazido, principalmente posteriormente, no Volume Dois (1998), arranjos bem bonitos para canções mais antigas.

No bloco acústico, eles tocam “Os Cegos do Castelo” e “Pra Dizer Adeus” (canção que acho brega e meio pobre em letra e música). Alice Fromer aparece com Arnaldo e canta lindamente “Toda Cor” e “Não Vou Me Adaptar”, duas faixas que ganhariam versões bem bonitas no referido Volume Dois. O tom mais família do show segue com “Família”, “Go Back” e “É Preciso Saber Viver” e voltam as guitarras distorcidas com “32 Dentes”, “Flores”, “Televisão”, “Porrada” e principalmente com “Polícia”, “AA UU” e “Bichos Escrotos”. Pelo menos eu já tinha recuperado minhas energias com a parte mais calminha do show para poder me esbaldar com essa trinca deliciosa, que encerra o show antes do bis.

No bis, “Miséria”, “Marvin” (eu não aguento mais ouvir essa música) e o clássico do primeiro disco (1984) “Sonífera Ilha”, uma dessas canções que não enjoa nunca e que funciona perfeitamente para encerrar o show num tom positivo e alto astral, dando aquele quentinho no coração. Valeu, turma! E obrigado por tudo! 

Agradecimentos ao amigo Zezão e à amiga Daisy pela companhia durante esta reunião de gigantes que ficará para a história.

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