sexta-feira, abril 22, 2016
NISE – O CORAÇÃO DA LOUCURA
Muito bom ver que o deslize na carreira de Roberto Berliner, em JULIO SUMIU (2014), não o fez desistir de construir uma carreira mais digna, lembrando os bons trabalhos que fez como documentarista em filmes como A PESSOA É PARA O QUE NASCE (2004), HERBERT DE PERTO (2009) e A FARRA DO CIRCO (2014). NISE – O CORAÇÃO DA LOUCURA (2015) opta pelo uso da câmera na mão para a construção de sua narrativa e para passar mais verdade à história da Dra. Nise da Silveira, a psiquiatra que ousou tratar de pacientes de um hospício da década de 1940 de maneira digna, usando o afeto e a arte como objetos de trabalho.
Falando assim, até parece que NISE é desses filmes piegas, mas o fato é que a sensibilidade do cineasta e o bom trabalho do elenco em momento nenhum prejudicam os aspectos fílmicos, sem falar que para muitos brasileiros a obra serve para apresentar essa pessoa fantástica que foi Nise da Silveira (1905-1999), que além de levar a arte admirável de seus pacientes para museus de arte, chegou a trocar correspondência com Carl Jung, em um tempo em que a lobotomia e os eletrochoques eram tidos como técnicas revolucionárias no tratamento dos doentes mentais.
Gloria Pires, no papel de Nise, está muito bem. É o seu melhor desempenho no cinema desde É PROIBIDO FUMAR, de Anna Muylaert. O trabalho de direção de arte de Berliner, ainda que muito discreto, também é digno de nota, com uma opção pela predominância da cor marrom na apresentação do local terrível de trabalho que mais tarde é transformado em um lugar de harmonia para aquelas pessoas que antes eram tratadas com frieza e crueldade.
É interessante notar que, apesar de as técnicas cruéis daqueles tempos terem saído de moda hoje, tratar as pessoas, sejam elas doentes mentais ou sãs, de maneira mais afetuosa ou humana, ainda encontra obstáculos diante da preferência de certas pessoas em tratar os demais como inferiores ou indignos da mínima consideração.
Quando exibido no Festival do Rio no ano passado, NISE – O CORAÇÃO DA LOUCURA teve em sua plateia ex-clientes da verdadeira Nise vendo suas representações na telona. Resultado: a conquista do prêmio do público do festival e o filme sendo ovacionado no fim da sessão. A convivência do elenco e direção com esquizofrênicos do hospital e a conversa com uma das assistentes de Nise também foram bastante válidos para a construção da personagem e do enredo.
Um dos momentos mais intensos do filme, pelo menos em seu terço inicial, é quando a Dra. Nise se apresenta aos seus clientes (é assim que ela prefere que os chame, demonstrando que estava ali para servi-los e não com um ar de superioridade e arrogância) e pede para que eles se sentem para conversar. A câmera rodopia ao seu redor, passando uma impressão de perda de controle, ao mesmo tempo em que vamos nos adaptando também àquele caos cotidiano. Por essas e outras – tantas outras coisas não ditas, aliás – que NISE – O CORAÇÃO DA LOUCURA faz o espectador sair do cinema com a alma lavada.
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