segunda-feira, abril 18, 2016

É DIFÍCIL SER UM DEUS (Trudno Byt Bogom)



Não demora muito para que, vendo É DIFÍCIL SER UM DEUS (2013), a gente desista logo de entender a trama e se permita viajar na força onírica de suas imagens. Há quem diga que é porque o livro no qual o filme é baseado é de difícil adaptação, mas é possível que o cineasta russo Aleksey German não tenha se preocupado muito com esse tipo de detalhe. Seu filme-testamento, em nenhum momento, procura ser fácil para o espectador, foi feito como que numa delírio. O fato de ter quase três horas de duração também não ajuda muito o trabalho a ser apreciado por espectadores apressados e impacientes.

É preciso paciência e uma reeducação do olhar para que essas imagens poderosas sejam não só apreciadas, mas recebidas com maravilhamento e assombro, misturado também a algum asco provocado por cenas violentas ou de causar repulsa mesmo, como pessoas com o nariz pingando, com feridas expostas ou imagens de cadáveres pendurados ou vísceras à mostra, num espetáculo tão perturbador que esquece-se que são efeitos especiais. Talvez o preto e branco das imagens passe essa impressão de verdade.

É DIFÍCIL SER UM DEUS é um dos trabalhos mais importantes da carreira de German, contemporâneo de Andrei Tarkovski, e que morreu antes de ver sua obra finalizada. German passou quatro décadas idealizando, doze anos filmando e faleceu em 2013, deixando a edição e a finalização para seu filho e sua esposa, ambos colaboradores de longa data da produção. Felizmente é um desses trabalhos bem especiais, que oferecem ao espectador uma experiência única, que vai além do gostar ou do não gostar. Independentemente disso, saímos da sessão diferentes.

É DIFÍCIL SER UM DEUS se passa em um universo semelhante à nossa Idade Média em alguns países da Europa, mas há algo de muito estranho que nos leva a acreditar que se trata de um mundo novo e estranho. E na verdade se trata de um outro planeta, como é dito no início, nos letreiros de apresentação. Ver o filme no cinema ou ao menos em uma tela maior é essencial para que os vários planos gerais e os ricos detalhes da direção de arte e a bela fotografia em preto e branco sejam vistos com mais clareza. É, definitivamente, um filme para ser assistido no cinema, por mais difícil que seja sua exibição comercial. Tanto é que até agora ele permanece inédito em nosso circuito. Pude vê-lo em uma mostra dedicada a filmes ousados esteticamente e arriscados comercialmente, a Mostra Cinema em Transe, exibida em Fortaleza no mês de janeiro.

O curioso de ler a sinopse de É DIFÍCIL SER UM DEUS é não encontrar exatamente o que é descrito na tela. Na trama, um grupo de cientistas é enviado ao planeta Arkanar para ajudar a civilização local, que está passando por uma fase ainda muito rudimentar de sua história, a encontrar o seu caminho para o progresso. A missão é difícil, já que eles não podem interferir violentamente e nem matar aquelas pessoas. O cientista Rumata tenta salvar os intelectuais locais de uma punição. Essa é mais ou menos a sinopse meio maluca e resumida que aparece no IMDB.

Na confusa história que acompanhamos na tela, que é o que importa, afinal, já que a obra cinematográfica precisa ser analisada de modo independente da obra literária, vemos um homem de aparência quase gigante e considerado um deus pelos demais. Aos nossos olhos ele só parece superior aos demais por ser maior, mais forte, se vestir diferente e principalmente por não estar coberto de lama. Os demais mais parecem porcos vivendo em um chiqueiro. A lama é uma constante e está presente em quase todo o filme.

Ainda que adaptado da obra literária dos mestres da ficção científica russa Arkady e Boris Strugatsky, que também serviram de inspiração para uma das obras mais aclamadas de Tarkovski, STALKER, o filme de German brinca muito com as possibilidades que só o cinema é capaz, como a aproximação um tanto exagerada da câmera nos rostos e corpos dos atores, ou a própria maneira como eles lidam com essa câmera, chegando, em alguns momentos, a falar com ela. É o tipo de obra que cobra muito do espectador, mas que recompensa muito bem aqueles dispostos a irem até o fim em sua difícil travessia.

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