quarta-feira, setembro 19, 2012

REI DOS REIS (King of Kings)



Chegando próximo do final da peregrinação pelo cinema de Nicholas Ray, vi o tão ansiado (por mim) REI DOS REIS (1961), que lembro de ter visto pelo menos algumas partes na televisão vários anos atrás. Antes mesmo de ver o filme e já acumulando uma quantidade considerável de trabalhos de Ray vistos, já enxergava com bastante proximidade os heróis rebeldes e incompreendidos do diretor com a figura de Jesus. O cineasta apresenta um Jesus diferente, um rebelde diferente, que não se utiliza da violência, mas da paz e do amor, e que também se deixa sacrificar, a exemplo dos personagens de AMARGO TRIUNFO (1957) e JORNADA TÉTRICA (1958).

Além de Jesus, vivido aqui por Jeffrey Hunter, que havia trabalhado com Ray em QUEM FOI JESSE JAMES? (1957), outro personagem que ganha um ar muito importante e que entra em sintonia com o espírito dos filmes do diretor é Barrabás (Harry Guardino), que aqui é visto como um revolucionário que tem a intenção de derrubar o poder dos romanos da Judeia. O que não é uma tarefa fácil, a julgar pelas duas cenas de batalha dos homens de Barrabás contra os soldados romanos. Aliás, esses momentos de ação no filme parecem concessões para que a obra ganhe contornos mais épicos.

O filme já começa bastante animador e impressionante, com a narração de Orson Welles a partir de um texto de Ray Bradbury, que conta da chegada de Pompeu à Judeia e de como ele adentrou o lugar sagrado dos judeus, rasgando o véu do templo, sob os olhares de tristeza dos sacerdotes. A narração continua com a chegada de Herodes, o homem que, ao ver que havia uma profecia envolvendo a chegada de um messias, manda matar todas os bebês primogênitos da região.

Uma escolha de Ray é a de não mostrar elementos fantásticos. Não ouvimos, por exemplo, os anjos conversando com os personagens, nem a voz de Deus, muito menos o anjo sentado na pedra que cobre o sepulcro, que na minha cabeça é uma das imagens mais fantásticas dos evangelhos. O único ser não humano que aparece, em voz, é Satanás, no momento em que Jesus está passando 40 dias e 40 noites no deserto. Essa escolha de um maior "realismo" provavelmente foi feita para que a história se tornasse mais verossímil.

Um dos problemas do filme, porém, é o fato de sintetizar demais os acontecimentos. Conta-se que o produtor Samuel Bronston, o mesmo dos épicos EL CID (1961) e A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO (1964), ambos de Anthony Mann, chegou a cortar cerca de 45 minutos da metragem do filme, deixando-o com 2h48min. Ao menos alguns recursos de contar a história por meio do centurião Lucius funcionam bem. Ele é uma espécie de coro do filme, em alguns momentos.

Há também pouca participação de Maria Madalena, que geralmente é vista como mais presente em outros filmes sobre Jesus. Mas não deixa de ser muito bonita a sequência do encontro dela com a mãe de Jesus. Além disso, os apóstolos são por demais passivos. O único que ganha algum destaque, além de Judas, claro, é Pedro, que é visto negando a Cristo por três vezes. Também vale destacar o emocionante momento da visita de Jesus à cela de João Batista, vivido por Robert Ryan. Trata-se de um momento que não consta nos evangelhos, mas que foi bom ter sido incluído no filme.

A cena do sermão da montanha faz lembrar inevitavelmente A VIDA DE BRIAN, que faz troça da quantidade de gente que vem para assistir ao sermão e a impossibilidade de todos ouvirem. Só se Jesus gritasse muito alto para que quem estivesse lá atrás pudesse escutar. Quanto à cena da morte na cruz, hoje em dia ela perde o impacto, uma vez que já vimos filmes como A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, de Martin Scorsese, e A PAIXÃO DE CRISTO, de Mel Gibson, que exploram mais o aspecto violento do sacrifício. Mas para sua época, REI DOS REIS foi um feito e tanto.