quinta-feira, outubro 08, 2009

SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (Under Capricorn)



Dos filmes hollywoodianos de Alfred Hitchcock, SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949) era o que eu mais ansiava rever. A lembrança de tê-lo visto num Corujão, na Rede Globo, séculos atrás, estava cada vez mais nebulosa. Portanto, foi como vê-lo pela primeira vez. O que é ótimo. O filme foi um grande fracasso de bilheteria, uma produção que custou muito para a companhia independente de Hitchcock, até pela escalação de uma estrela super-concorrida pelos estúdios na época. Depois do baque financeiro, Hitchcock só se reergueria com PACTO SINISTRO (1951). Mas o importante é que o filme ficou, independentemente do quanto se perdeu na época. Pena que ainda não existe uma cópia remasterizada, mas a existente não atrapalha a apreciação deste filme único do mestre.

Para se ter uma ideia do prestígio que o filme conseguiu na França e de como isso repercutiu nos demais países, em 1958, a conceituada revista Cahiers du Cinéma elegeu SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO entre os dez melhores filmes de todos os tempos. Ainda assim, o filme não era muito querido pelo próprio Hitchcock, que confessava ter se arrependido de diversas escolhas tomadas. A começar pelo elenco. Ele achava ter sido muito imaturo de sua parte ter brigado tanto pela Ingrid Bergman, uma das atrizes mais valorizadas da época, para uma produção tão cara. Mesmo assim, ele sabia que ela era a atriz ideal para o papel. Até por ter feito várias vezes o papel de mulher frágil, como se pode ver também no excelente À MEIA-LUZ, de George Cukor. Mas era a escalação de Joseph Cotten que não agradava Hitch. Ele queria Burt Lancaster, que, segundo ele, combinaria mais com o personagem. Mas eu não vi problema nenhum com Cotten, que pra mim foi bastante convincente. Mais do que Michael Wilding, que faz o primo da personagem de Ingrid, um membro da nobreza irlandesa que chega à Austrália da época da colonização para fazer uma nova vida e acaba apaixonado pela prima casada. E ainda ganha o apoio do marido corno, que queria o melhor para a mulher.

Um dos aspectos que mais agrada no filme é sua fluidez narrativa, com o uso da câmera em movimento e de elaborados planos-sequência, ainda herança da experiência com FESTIM DIABÓLICO (1948). O filme também fez eu me lembrar de A ESTALAGEM MALDITA (1939) em diversos momentos. A primeira visão da casa de Cotten e Bergman, a chegada num local selvagem, o mistério em torno daquelas cabeças pequenas que parecem tiradas de filmes de terror passados no Haiti, tudo isso contribuiu para que eu fizesse uma ligação entre os dois filmes. Mas SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO é muito mais elegante e ousado. E tem algo de "Otelo", de Shakespeare, na relação entre o personagem de Cotten e a atriz que faz o papel da governanta, que seria uma espécie de Iago.

O filme não deixa de ser também uma interessante amostra de como a Austrália foi colonizada, tendo recebido uma série de criminosos vindos da Inglaterra. E o fato de lidar com a culpa dos personagens não deixa de dar um ar bem hitchcockiano à obra. O crime, o castigo e a culpa são elementos essenciais para o desenvolvimento e a conclusão do filme. Os crimes seriam considerados esquecidos e purgados, mas na realidade, a alta sociedade de Sidney não tratava os ex-presidiários como cidadãos comuns, por mais rico que ele tenha se tornado. E é interessante notar como um país formado basicamente por criminosos tenha prosperado e se tornado uma grande nação.

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