quarta-feira, junho 03, 2009

O ILUMINADO (The Shining)



Minha relação com O ILUMINADO (1980) é um pouco diferente da que tenho com a grande maioria dos filmes de Stanley Kubrick. Havia assistido uma única vez, em VHS, e simplemente o filme não me "pegou". Não entendia a razão de o filme ser considerado por muitos uma das melhores obras do diretor e um dos grandes filmes de horror de todos os tempos. Sabendo da necessidade de reavaliar o filme num futuro breve, comprei há alguns meses a edição especial dupla que a Warner lançou, cheia de extras bem atraentes. Aproveitei para rever o filme com a chegada do meu home theater nesse final de semana. Sim, sou cinéfilo há mais de vinte anos e nunca tive uma aparelhagem decente de som, que já existe desde os tempos do VHS. Mas antes tarde do que nunca e o filme que escolhi para estrear a minha experiência caseira com o som dolby 5.1 foi justamente O ILUMINADO.

Com relação às minhas novas impressões sobre o filme, continuo achando que é uma obra que não me assusta. Mas é de uma perfeição visual admirável. Em nenhum outro filme do cineasta a perfeição simétrica é tão aparente. Uma série de sequências do filme entraram para o imaginário, para o inconsciente coletivo da humanidade. Como a cena de litros de sangue descendo as escadarias de um hotel e inundando o lugar até pintar todo o espaço de vermelho. Essa cena ficou tão boa que foi utilizada como teaser trailer do filme. A figura de Jack Nicholson louco, no encalço de sua mulher e de seu filho também são dessas de ficarem grudadas na memória. Eu pelo menos não me lembrava mais do final do filme, mas não tinha como esquecer de Nicholson quebrando a porta com um machado e do olhar aterrorizado de Shelley Duvall. Outro momento inesquecível e admirável, ainda mais agora que pude ver o filme com uma aparelhagem de som melhor é a sequência do garotinho andando em seu carrinho nos corredores do luxuoso hotel e passando por cima de alguns tapetes. O trafegar do carrinho seguido pela câmera e o som do chão e do tapete são hipnóticos. Imagino o impacto dessa cena na época, pelo uso excepcional de uma novidade tecnológica, a steadycam. O próprio inventor desse estabilizador para câmera, Garret Brown, foi convidado para ser assistente de Kubrick na realização do filme e o resultado foram movimentações de câmera com uma fluidez e perfeição até então nunca atingidos. Com esse recurso, em nenhum momento a câmera oscila. Nunca um voo de helicóptero pareceu tão perfeito e suave quanto o da sequência inicial do filme.

É tanta perfeição que não sei se combina com o gênero. O ILUMINADO é um filme de horror bem fora do comum. Em vez de lugares escuros, um hotel luxuoso foi construído num estúdio inglês. Com tal grau de perfeccionismo que cria-se uma sensação de assepsia. Até o sangue no filme parece limpo e asséptico. Para o bem e para o mal. Destaque também para o belo labirinto verde que fica na parte exterior do hotel e que será tomado de branco nas sequências finais, quando a cidade é coberta por uma nevasca. Inclusive, há uma sequência que muita gente até hoje não tem ideia de como Kubrick a realizou, que é a visão de cima do labirinto, pois é impossível de se fazer usando uma grua por ser alta demais. Num dos extras, é explicado como Kubrick realizou essa cena. O grau de perfeccionismo era tanto que dizem que o diretor refilmava o mesmo take cerca de 60 vezes. Imaginem o quão perturbador deve ser para um ator. Quem mais sofreu com os métodos de Kubrick foi Shelley Duvall. A coitada teve um colapso nervoso durante as filmagens. Kubrick fazia ela sofrer de propósito, torturando-a para fazer com que ela chegasse num estado próximo ao da personagem atormentada. Isso é mostrado explicitamente no documentário que a filha do cineasta, Vivian Kubrick, dirigiu sobre os bastidores das filmagens.

A opção de criar uma obra que não se define se é uma história de fantasmas ou de loucura foi provavelmente algo que incomodou o escritor do romance, Stephen King, que não gostou da versão de Kubrick. Mas talvez seja essa indistinção que torna o filme especial a ponto de chegar um momento em que não sabemos o que é real e o que é imaginário. Dizem que algumas cenas foram inspiradas nas fotografias de Diane Arbus, como as meninas gêmeas e o homem fantasiado de porco. E o que é aparentemente imaginário e fantasmagórico interfere no mundo físico, como o fantasma que abre a porta para Jack Torrence, o personagem insano de Nicholson. Interessante que num dos extras presentes no DVD, Steven Spielberg conta que a princípio não gostou muito do resultado final de O ILUMINADO e, conversando com Kubrick, esse lhe perguntou o que ele havia achado da interpretação de Nicholson. E Spielberg acabou dizendo que achou-a um pouco exagerada. Imediatamente Kubrick pediu a ele que enumerasse, sem pensar muito, os atores que ele considerava seus favoritos. Spielberg citou nomes como Henry Fonda, Clark Gable, Spencer Tracy e outros dois e Kubrick o interrompeu dizendo que ele não tinha James Cagney entre seus favoritos. E Kubrick tinha. E isso responde tudo.

Além de Spielberg, o documentário de cerca de meia hora, UMA VISÃO GERAL: MONTANDO O ILUMINADO, conta com a presença de Sydney Pollack, Ernest Dickerson, William Friedkin, Jack Nicholson, entre técnicos que trabalharam no filme e escritores de biografias de Kubrick. George Lucas aparece em outro extra, AS VISÕES DE STANLEY KUBRICK (17 min), que enfatiza as obsessões do cineasta. Mas o mais importante dos extras é justamente O MAKING OF DE O ILUMINADO, de mais de meia hora, onde a filha de Kubrick flagra alguns momentos especiais da realização do filme. Há até mesmo uma cena de Shelley Duvall deitada no chão, depois de um colapso nervoso. Ela estava num estado de saúde bem frágil. Emocionante quando Vivian pergunta a Scatman Crothers sobre sua relação com o garoto Danny Lloyd e ele se comove, pois tem o garoto como seu filho. Ele literalmente chora de emoção. Não apenas pelo garoto, mas por sentir-se grato em participar do filme. Curiosamente, Danny Lloyd não fez mais nada no cinema. No documentário de Vivian é possível apreciar a inteligência e a inocência do garoto longe do personagem. É também exclusividade do documentário a composição "Valse Triste", de Wendy Carlos, que aparece em outro extra, de 7 minutos, falando sobre a sua participação na trilha sonora do filme e a criação do circon, um instrumento musical que emite um som parecido com o de um violino, mas com um tom mais próximo da voz humana e mais fantasmagórico.

P.S.: A Liga dos Blogues Cinematográficos finalmente publicou o resultado final do ranking dos anos 30. Vale conferir a decisão coletiva.

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