quarta-feira, junho 10, 2009

FELIZ NATAL























Ao final da sessão de FELIZ NATAL (2008), ouvi uns comentários de uns espectadores que estavam presentes e achei engraçado um deles dizer: "foi o pior filme que eu vi este ano" e do quanto tinha ficado decepcionado com o trabalho de estreia de Selton Mello. O fato é que FELIZ NATAL não é mesmo um filme fácil. Mas foi justamente sua vontade de fazer algo diferente, suas pretensões artísticas e o uso nada invisível da câmera o que não me deixou desgrudar os olhos da tela. O ator/diretor, em entrevista ao Estadão, chegou a dizer que os filmes em que ele atua mascaram muito o que ele é. Ele passa uma imagem de alegria que não condiz com a sua melancolia, que segundo ele é muito mais presente em seu caráter. E o seu trabalho de estreia, pesado, denso, é impregnado de melancolia. Talvez mais até do que isso. É uma tragédia familiar que até lembra algumas peças de Tennessee Williams. Há uma mãe que vive bêbada e drogada (Darlene Glória), um pai ausente (Lúcio Mauro), um protagonista que vive afastado da família e mantendo um ferro-velho longe da cidade (Leonardo Medeiros) e um casal aparentemente normal que parece equilibrar um pouco a loucura geral, representados por Paulo Guarnieri e Graziella Moretto. O elemento inocente e feliz da família se traduz nas crianças.

Um dos personagens que mais lembra as performances de Selton Mello é um dos amigos solteiros do personagem de Medeiros. O sujeito que o leva a um puteiro em plena noite de natal, quando ele decide não ficar muito tempo numa casa onde não se sente bem. Não se trata apenas de ser um estranho no ninho. Há algo oculto e que será parcialmente revelado ao final do filme sobre o passado desse personagem. Sabiamente algumas coisas são apenas sugeridas. Algo que pode incomodar a muitos é a fotografia predominantemente escura que pode causar certa claustrofobia, aliada à câmera frequentemente próxima dos personagens, como em obras dos irmãos Dardenne ou nos filmes de Lucrécia Martel. Mas ao mesmo tempo, Selton Mello também se utiliza de algumas tomadas mais afastadas da ação que oxigenam o seu filme, como as tomadas aéreas ou as imagens um tanto borradas à distância.

O alívio cômico está na figura de Lúcio Mauro, com suas tiradas do tipo: "ver a sua mãe, uma vez por ano é o bastante; se for no velório, melhor ainda." Ele já tem uma persona cômica que ficou presente nele, graças à sua longa participação na popular ESCOLHINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO. Seu personagem é ao mesmo tempo engraçado e à beira do ridículo, um senhor que vive com uma jovem menor de idade à base de Viagra. Ele a chama de índia, de "minha Poncahontas". Talvez por ser um ator, Selton Mello abre um espaço considerável para todos brilharem. Às vezes em momentos-solo, como nos quase-monólogos de Darlene Glória, a representante da insanidade extrema da família. Em vários momentos, a câmera se aproxima de seu rosto, fazendo notar as rugas com a maquiagem borrada.

São tantos temas que o filme propõe que o próprio Selton Mello admite ser coisa de diretor estreante, com uma vontade de mostrar muito, de abarcar muitas coisas num único trabalho. Selton acredita que seu segundo filme será mais maduro. E por incrível que pareça, o personagem menos interessante é justamente o protagonista. Leonardo Medeiros, com seu jeitão fechado, reservado e que guarda um passado nebuloso, não provoca a empatia do espectador. E há também uma certa fragilidade no modo como é mostrada a tragédia que desencadeou a sua mudança de vida e à sua descida ao inferno do sentimento de culpa. O acerto está no não explicar o ódio paterno e em também deixar no ar a sequência do diálogo entre o protagonista e seu irmão. O final aponta para uma escolha pelo pessimismo levado às últimas consequências, como para deixar claro de uma vez por todas que tudo está perdido. Até a esperança.

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