quarta-feira, junho 11, 2008

O SONHO DE CASSANDRA (Cassandra's Dream)



Ver filme de Woody Allen no cinema é uma “obrigação” pra mim desde o início de minha cinefilia, quando tive o prazer de ver o meu primeiro filme do diretor na telona: o intenso CRIMES E PECADOS (1989). De lá pra cá, só perdi dois filmes de Allen no cinema: NEBLINA E SOMBRAS (1992), porque não chegou a passar nos cinemas locais e tive de me contentar em vê-lo na televisão, e IGUAL A TUDO NA VIDA (2003), que foi quando comecei a criar o hábito de baixar filmes da internet e fiz a besteira de ver esse filme no computador, perdendo mais da metade do prazer de ver a obra. Desde então, ver um Woody Allen no cinema é tão importante pra mim quanto ver um Lynch, um De Palma ou um Scorsese, por mais que os detratores do cineasta procurem motivos para diminuir a importância de sua obra.

Sabemos que Allen não é nenhum Kubrick ou Malick no quesito rigor e exigência. Tanto que, sobre O SONHO DE CASSANDRA (2007), Colin Farrell chegou a dizer que a quantidade de takes que ele fez para o filme inteiro foi praticamente a mesma que ele fez para cada cena de MIAMI VICE, de Michael Mann. Com essa declaração de Farrell, e sabendo que Allen faz um filme novo todo ano – graças a Deus! – notamos que Allen procura ser o mais objetivo possível na realização de seus trabalhos. Eu, particularmente, estou adorando essa fase européia de Woody, que tem promovido uma renovada em sua carreira, construindo mais um capítulo em sua já bastante rica filmografia. Depois do retorno à comédia com o delicioso SCOOP – O GRANDE FURO (2006), Allen faz esse “filme-irmão” do elogiado e bem sucedido PONTO FINAL – MATCH POINT (2005), que demonstrou a sua habilidade também no trato com o suspense à Chabrol ou à Hitchcock.

E falando nos grandes mestres e na já conhecida homenagem de Allen a cineastas como Bergman e Fellini, dessa vez até Robert Bresson pode ser adicionado a essa lista, tanto pelo aspecto seco, cenas curtas e utilização de pouca música - a trilha dessa vez foi moleza para Philip Glass -, quanto pelo uso das elipses. Nas cenas que Farrell ganha nos jogos, por exemplo, o filme não o mostra ganhando. Nem mesmo essa alegria efêmera é compartilhada com o espectador. O que vemos é apenas ele passando por uma situação ruim durante o jogo (seja nas corridas de cachorros, seja nas cartas) e conseguindo dinheiro emprestado para dar a "grande virada". Depois, corte para as cenas em que ele conta para o irmão (Ewan McGregor) que ele ganhou uma bela soma nos jogos e que tem dinheiro suficiente para comprar o sonhado barco, que leva o título do filme. Como O SONHO DE CASSANDRA não mostra seus momentos de sorte no jogo, fica a estranha impressão de que ele está mentindo. Impressão que passa quando ele conta para o irmão que está passando por dificuldades financeiras e que está devendo uma pequena fortuna aos agiotas. (Impressionante como é mais fácil acreditarmos em situações ruins do que em situações boas.)

Enquanto isso, o personagem de McGregor está deslumbrado e apaixonado por uma belíssima atriz de teatro (Hayley Atwell) e recorre à mentira, escondendo o fato de trabalhar no restaurante do pai e fingindo ser um rico empresário do ramo de hotéis. E como ele está louco por essa mulher, para manter o rico padrão de vida que ela deseja e imagina que ele possa lhe oferecer, ele também está precisando de muito dinheiro. Talvez até mais do que o próprio irmão endividado. A solução viria na figura do tio (Tom Wilkinson), que até se dispõe a ajudá-los, mas sob a condição de que eles também o ajudem a sair de uma tremenda encrenca. O problema é que o favor que ele lhes pede não é tão simples assim. Como ele cometeu atos corruptos, tem um sujeito que sabe disso e está prestes a denunciá-lo. A solução para livrá-lo da cadeia seria dar cabo do indivíduo. Claro que esse favor não vai ser tão fácil assim e do jeito que o filme traz um tom fatalista desde o início, sabemos que as coisas não devem acabar exatamente bem.

No que se refere a tragédias, Woody Allen já havia demonstrado que dá conta do recado muito bem desde o já citado CRIMES E PECADOS. Cassandra, personagem da mitologia grega que já havia aparecido em PODEROSA AFRODITE (1995), é uma mulher que tem o poder de ver o futuro, geralmente catástrofes ou desgraças, mas que devido a uma maldição do deus Apolo, ninguém acredita em suas profecias. Assim, o nome Cassandra ganhou essa conotação pessimista. Além de O SONHO DE CASSANDRA ser quase perfeito em sua condução, o filme pode agradar também àqueles que se incomodam com os alter-egos de Allen que absorvem seus tiques e falam como ele quando está nervoso. Dos dois irmãos, então, o que mais se aproxima disso é o personagem de Colin Farrell, que é o que mais fica perturbado com a difícil situação de ter de matar uma pessoa e conviver com isso.

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