domingo, fevereiro 03, 2008

BOÊMIO ENCANTADOR (Holiday)



"Um dos momentos inefavelmente mais felizes da minha vida foi a tarde de inverno em que assisti ao último filme que veria em 1955 (embora a película tivesse sido lançada em 1938, ano anterior ao do meu nascimento: Holiday (Boêmio encantador), com Katharine Hepburn, Cary Grant, Lew Ayres e Edward Everett Horton (para quem, no verão anterior, eu tinha trabalhado como auxiliar de figurino). (***) Ao voltar para casa a pé depois do filme, percorrendo as ruas escuras de Manhattan, sentia-me eufórico, mais contente do que podia me lembrar que jamais estivera, positivo a respeito das vastas possibilidades da vida. Ao longo da década seguinte, assisti a Holiday mais três vezes, todas com reações emocionais parecidas."

Esse é o depoimento introdutório de Peter Bogdanovich que antecede a entrevista que ele fez a George Cukor e que integra o livro "Afinal, Quem Faz os Filmes". O que mais me chamou a atenção nas palavras emocionadas de Bogdanovich foi a extrema semelhança com o que aconteceu comigo quando saí da sessão de HARRY E SALLY - FEITOS UM PARA O OUTRO, de Rob Reiner, há cerca de dezessete anos, bastando trocar o título do filme, do elenco e do local pra eu assinar embaixo. Por isso fiquei tão animado pra ver BOÊMIO ENCANTADOR (1938). Queria sentir novamente aquela euforia. Mas embora o filme de Cukor não tenha causado a mesma resposta em mim - prefiro os trabalhos que Cary Grant fez para Howard Hawks e Leo McCarey na mesma época - trata-se, sem dúvida, de um belo filme. E que deve merecer mesmo o título de um dos melhores da filmografia de Cukor. Também não é pra menos: Cary Grant e Katharine Hepburn num mesmo filme já é praticamente garantia de sucesso. Mas essa não foi a primeira vez que os dois trabalharam juntos para Cukor: eles estiveram juntos em VIVENDO NA DÚVIDA (1935), mas dizem que o filme não é tão bom quanto esse de 1938, em que a parceria dos dois estaria mais azeitada.

Cary Grant interpreta Johnny Case, um rapaz alegre (não no sentido gay do termo, embora todos saibam que o ator era gay) que conhece durante uma viagem de férias Julia (Doris Nolan), uma moça que por acaso é filha de um milionário. Ao voltar das férias, ele chega eufórico para conhecer a casa da moça e fica admirado com tanto luxo. A casa é um palácio com vários andares e que tem até elevador. É lá que ele conhece a irmã de Julia, Linda (Katharine Hepburn), uma moça cheia de vida. A aproximação dos dois é imediata. E ele se sente melhor e mais à vontade com Linda do que com a própria noiva. Aliás, para conseguir a aprovação do pai de Julia para o casamento é uma novela, já que o velho queria para sua filha um homem de posses, um membro da alta sociedade, coisa que Johnny definitivamente não é. Pra completar, e como era de se esperar, Linda se apaixona por Johnny, mas quer rejeitar esse sentimento, com medo de machucar o coração de sua irmã. Uma das cenas mais bonitas do filme acontece numa festa na mansão, numa noite de ano novo, quando Johnny e Linda conversam à janela. Inclusive toca em seguida aquela triste canção tradicional americana de ano novo - que curiosamente também toca numa cena de HARRY E SALLY!

O final do filme, para os dias de hoje, quando estamos tão acostumados com o esquematismo das comédias românticas, pode não mais emocionar tanto quanto em alguns anos atrás, mas isso se deve ao fato de que a fórmula desse gênero foi criada (ou ao menos popularizada) por esses cineastas da década de 30 e continua funcionando até hoje. E não custa lembrar que a fabulosa química entre Kate Hepburn e Cary Grant já havia acontecido, no mesmo ano, elevada à enésima potência na comédia maluca LEVADA DA BRECA, uma obra-prima de arrancar gargalhadas, dirigida pelo nosso querido Howard Hawks. Mas é melhor eu não fazer nenhuma comparação entre os dois diretores e deixar esse espaço apenas para homenagear a beleza de BOÊMIO ENCANTADOR. Até porque o filme é também uma das melhores críticas à ganância do capitalismo que Hollywood já produziu.

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