quarta-feira, agosto 30, 2006

WALTER LIMA JR. EM DOIS FILMES



Ao lado de Nelson Pereira dos Santos, de Carlos Reichenbach e de José Mojica Marins, o carioca Walter Lima Jr. está no seleto grupo de maiores cineastas brasileiros vivos. E, na mesma condição de seus distintos colegas, Lima Jr. tem passado por muitas dificuldades de se fazer cinema no Brasil, o que pra mim é motivo de indignação e até de revolta. E essa revolta aumentou quando tive a oportunidade de (re)ver duas das obras mais importantes do cineasta, INOCÊNCIA (1983) e ELE, O BOTO (1987), dois filmes que representam muito bem o autor e seu cinema que enfatiza a inocência, o desejo e o delírio. Os dois filmes, eu tive a oportunidade de ver quando passaram no Intercine da Rede Globo, mas ambos estão disponíveis em DVD pela Paramount, pelo selo Coleção Brasil.

INOCÊNCIA

Poucos filmes, sejam eles brasileiros ou não, conseguiram se aproximar tanto da estética romântica quanto INOCÊNCIA. Walter Lima Jr. transpôs para o cinema o clássico de Visconde de Taunay, considerada por muitos a obra-prima do romance regionalista do Romantismo brasileiro. No Romantismo, o amor, quando não é impossível, é de difícil acesso. O universo conspira contra o casal que deseja ficar junto e se amar. Na trama, jovem médico (Edson Celulari), em suas viagens pelo sertão, apaixona-se por Inocência (Fernanda Torres), uma jovem guardada a sete chaves pelo pai (Sebastião Vasconcelos) e prometida em casamento a outro rapaz, através de um acordo com um grande proprietário de terras da região. A moça está doente e é tratada com muito carinho pelo médico. Mas o pai não desconfia do médico. Em vez disso, ele teme o assédio de um entomologista que passa pela região à procura de novas espécies de borboleta e que também se interessa pela menina. INOCÊNCIA não é apenas um grande filme pelo aspecto narrativo e pela capacidade de emocionar, mas também pela elegância dos planos, pela riqueza das metáforas (a borboleta presa), pela atmosfera de delírio característica do cinema de Lima Jr. Como era de se esperar de uma obra autenticamente romântica, o final não poderia deixar de ser trágico e dramático. As cenas noturnas têm uma luz toda especial, seja quando vemos o quarto escuro de Inocência, às vezes banhado pela luz da Lua, seja no momento em que o casal se encontra às escondidas no bosque. Um dos melhores filmes do nosso cinema.

ELE, O BOTO

Com ELE, O BOTO, Walter Lima Jr. dá continuidade ao seu estilo onírico, movido pelo desejo e pela inspiração noturna. Uma bela sacada aproveitar uma lenda amazônica para construir uma fábula sobre mulheres seduzidas por um boto (Carlos Alberto Riccelli). Outro recurso inteligente é o de apresentar um narrador que nunca aparece (a voz de Rolando Boldrin). O narrador seria um pescador contando causos para seus colegas. Assim é contada a estória de duas irmãs que sofrem o assédio do boto. Uma delas (Cássia Kiss) chega até a engravidar - a cena do parto é uma das primeiras e mais interessantes do filme. A outra mulher (Dira Paes) torce para que o boto venha lhe buscar. Lima Jr. constrói um filme em cima de algo bastante improvável, mas que devido à sua beleza plástica e narrativa acaba nos convencendo de que, ao menos dentro daquele universo, aquilo é real. ELE, O BOTO é ao mesmo tempo sensual, fantástico e às vezes assustador e engraçado. São destaque no filme: a cena da tempestade de vento no casamento; o aparecimento do filho do boto; os sonhos da personagem de Cássia Kiss; o boto disfarçado de turista; a fotografia das cenas nos rios e no mar; a trilha sonora de Wagner Tiso, que consegue ser ainda mais memorável que em INOCÊNCIA. Assim como A OSTRA E O VENTO (1998), ELE, O BOTO é um filme sobre a força da natureza e a fraqueza do ser humano.

Agora eu estou com muita vontade de assistir A LIRA DO DELÍRIO (1978), considerado por muitos o melhor filme do diretor.

P.S.: Numa edição passada da Contracampo, Eduardo Valente escreveu um artigo bastante abrangente sobre a carreira de Lima Jr. até o final da década de 90. O texto, além de muito bem escrito, é bastante esclarecedor.

P.P.S.: Falando em Cássia Kiss, vocês se lembram daquela propaganda que ela fez para o Governo Federal com os seios à mostra e ensinando como as mulheres deviam fazer para prevenir o câncer no seio? Eu me amarrava naquela propaganda. :)

Nenhum comentário: