Um abraço é algo que nos traz conforto, bem-estar, mas muitas vezes, um abraço verdadeiro, quando nos pega mais frágeis, nos desarma. Escrevo isso, pensando ainda no final de ANORA (2024) e no quanto ele é uma mistura de desespero, frustração e até mesmo esperança, para quem preferir completar o final em aberto com uma nova história de amor, desta vez mais realista e mais sincera. O diretor Sean Baker disse que se inspirou em NOITES DE CABÍRIA, de Federico Fellini, para o seu final. Ambos os filmes tratam da vida dura de mulheres profissionais do sexo.
A trajetória de Anora, que gosta de ser chamada de Ani, a que somos apresentados nas pouco mais de duas horas de metragem, é suficiente para que compreendamos (no sentido maior do termo) seus sentimentos, que atravessam o cansaço, a alegria festiva e a frustração. Mais ou menos nessa ordem mesmo. E é muito fácil gostar de Ani, interpretada de maneira inspirada por Mikey Madison, uma das atrizes hoje celebradas que apareceram em papéis bem pequenos em uma cena de ERA UMA VEZ EM...HOLLYWOOD, de Quentin Tarantino.
Sean Baker gosta de jogar os holofotes com muito carinho para pessoas marginalizadas, vide títulos como TANGERINE (2015) e PROJETO FLÓRIDA (2017). Em ANORA, seu trabalho mais ambicioso e o vencedor da Palma de Ouro em Cannes, somos apresentados a uma moça que trabalha como dançarina de clubes de strip-tease que se aproxima de Vanya/Ivan (Mark Eydelshteyn), filho de um milionário russo. Ele aparece no clube, gosta dela, adora o sexo e a simpatia da moça e pega seu contato para serviços fora daquele espaço.
Talvez o grande trunfo deste filme esteja em Mikey Madison, jovem atriz que até então não havia alcançado grande visibilidade. Que atriz incrível! O filme tem um quê de John Cassavetes, e me fez lembrar do mestre do cinema independente, não apenas pelo espaço do clube, de A MORTE DE UM BOOKMAKER CHINÊS, mas também pelas interpretações aparentemente mais livres, embora exista ali um roteiro que foi, acredito eu, muito bem ensaiado.
A beleza do filme está também no quanto ele abraça a personagem de Ani, no quanto ele compreende sua necessidade de sair da vida que vive e embarcar no que parece ser um conto de fadas. E nesse sentido o filme parece uma espécie de UMA LINDA MULHER, só que mais cruel, embora sem deixar de lado o humor. Ainda assim, eu ri pouco durante o filme, na primeira vez que o vi, talvez por antecipar algumas coisas ou pensar no efeito do dinheiro na vida das pessoas.
Na revisão, ANORA me pareceu ainda melhor, talvez por já estar preparado para tudo o que aconteceria, e poder, inclusive, rir mais dos momentos divertidos, bem como me emocionar e me solidarizar com a personagem, ao fim de sua jornada, no terceiro ato do filme. Quem também se destaca e conquista a todos é Yuri Borisov (COMPARTIMENTO Nº 6) como Igor, o capanga de bom coração e o único que de fato enxerga Anora. Inclusive, a cena dos dois conversando sozinhos, na última noite na mansão, traz um certo alento, depois de tudo.
ANORA foi indicado a seis Oscar: filme, direção, atriz, ator coadjuvante (Yuri Borisov), roteiro original e montagem, ambos a cargo do próprio Sean Baker. Atualmente, ANORA é um dos favoritos para vencer a categoria principal, depois de ter ganhado o DGA e o PGA.
+ TRÊS FILMES
EMILIA PÉREZ
Talvez não seja o desastre que eu esperava, mas EMILIA PÉREZ (2024), de Jacques Audiard, é, sem dúvida, um filme muito problemático. E nem falo das questões de representatividade do povo mexicano e das pessoas trans, pois não tenho lugar de fala para tal, mas de como funciona como narrativa visual mesmo. Quem acaba quase salvando o filme e garantindo bons momentos, inclusive uma ótima cena musical, é Zoe Saldaña, que tem uma presença de cena incrível. E a cena musical dela quase é estragada pela Karla Sofía Gascón. Ainda assim, também destacaria uma cena boa de Selena Gomez: aquela em que ela está dentro do quarto e depois entra numa sala escura. Quanto ao drama dos personagens, até que é envolvente, mas vai seguindo ladeira abaixo para sua conclusão. Isso depois de não conseguir emocionar a plateia ou mostrar química alguma entre suas personagens, nem mesmo na relação de amizade, por assim dizer, entre a advogada e a ex-narcotraficante. Há uma cena que parece uma coisa meio Dr. Jeckyl & Mr. Hyde, que é uma que envolve Gascón e Gomez na cama, discutindo sobre os filhos, o que pode chamar a atenção, de forma negativa, para a comunidade trans. O filme pode até não merecer tanto hate que tem recebido, mas talvez seja proporcional à quantidade de premiações (Cannes) e indicações ao Oscar (13). Ainda assim, torço por Zoe Saldaña no dia 2 de março.
A GAROTA DA AGULHA (Pigen Med Nålen)
O candidato da Dinamarca a melhor filme internacional no Oscar 2025 é A GAROTA DA AGULHA (2024), drama soturno, de mundo cão, em preto e branco e com imagens que fazem lembrar o expressionismo alemão. O diretor Magnus Von Horn sai do colorido e solar SWEAT (2020) para esta história terrível sobre mulher cujo esposo está desaparecido na Primeira Guerra Mundial e está prestes a ser despejada do apartamento onde mora. A desgraça não para por aí, pois se envolve com o chefe, engravida, e há mais uma série de situações que causam aflição e que tirariam a vontade de viver de muita gente. Sua vida ganha novo rumo quando conhece uma mulher mais velha (Trine Dyrholm, atriz conhecida dos filmes de Susanne Bier) que recebe bebês para adoção. Engraçado que a atriz principal, Vic Carmen Sonne, de HOLIDAY, de Isabella Eklöf, diferente do filme anterior, está bem despida de vaidade, até para compor essa personagem muito sofrida. Senti falta de mais experimentações visuais, que o diretor parece querer entregar no início, mas que depois vai deixando de lado em prol de uma narrativa um pouco mais convencional. Um dos pontos de destaque do filme, a fotografia, está a cargo de Michal Dymek, de EO e do também oscarizável A VERDADEIRA DOR.
MARIA CALLAS (Maria)
Não sou um fã de Pablo Larraín, mas amo seus dois primeiros filmes que abordam o inferno interior da vida de duas pessoas públicas, Jacqueline Kennedy, em JACKIE (2016), e Ladi Di, em SPENCER (2021). Se MARIA CALLAS (2024) fosse tão bom quanto os outros dois, eu ficaria muito satisfeito. Mas o cineasta chileno não estava tão inspirado, provavelmente, o que é natural. Acontece. Angelina Jolie está bem como uma Maria Callas solitária, viciada numa droga que a faz ter alucinações e triste por não ter mais a voz de seus tempos de glória. Alguns flashbacks nos fazem entender um pouco de sua trajetória de vida, mas diria que as melhores cenas são aquelas em que ela contracena com seus empregados, a governanta (Alba Rohrwacher) e o mordomo (Pierfrancesco Favino), dois dos melhores atores do cinema italiano contemporâneo. Indicado ao Oscar na categoria de fotografia.
EMILIA PÉREZ
Talvez não seja o desastre que eu esperava, mas EMILIA PÉREZ (2024), de Jacques Audiard, é, sem dúvida, um filme muito problemático. E nem falo das questões de representatividade do povo mexicano e das pessoas trans, pois não tenho lugar de fala para tal, mas de como funciona como narrativa visual mesmo. Quem acaba quase salvando o filme e garantindo bons momentos, inclusive uma ótima cena musical, é Zoe Saldaña, que tem uma presença de cena incrível. E a cena musical dela quase é estragada pela Karla Sofía Gascón. Ainda assim, também destacaria uma cena boa de Selena Gomez: aquela em que ela está dentro do quarto e depois entra numa sala escura. Quanto ao drama dos personagens, até que é envolvente, mas vai seguindo ladeira abaixo para sua conclusão. Isso depois de não conseguir emocionar a plateia ou mostrar química alguma entre suas personagens, nem mesmo na relação de amizade, por assim dizer, entre a advogada e a ex-narcotraficante. Há uma cena que parece uma coisa meio Dr. Jeckyl & Mr. Hyde, que é uma que envolve Gascón e Gomez na cama, discutindo sobre os filhos, o que pode chamar a atenção, de forma negativa, para a comunidade trans. O filme pode até não merecer tanto hate que tem recebido, mas talvez seja proporcional à quantidade de premiações (Cannes) e indicações ao Oscar (13). Ainda assim, torço por Zoe Saldaña no dia 2 de março.
A GAROTA DA AGULHA (Pigen Med Nålen)
O candidato da Dinamarca a melhor filme internacional no Oscar 2025 é A GAROTA DA AGULHA (2024), drama soturno, de mundo cão, em preto e branco e com imagens que fazem lembrar o expressionismo alemão. O diretor Magnus Von Horn sai do colorido e solar SWEAT (2020) para esta história terrível sobre mulher cujo esposo está desaparecido na Primeira Guerra Mundial e está prestes a ser despejada do apartamento onde mora. A desgraça não para por aí, pois se envolve com o chefe, engravida, e há mais uma série de situações que causam aflição e que tirariam a vontade de viver de muita gente. Sua vida ganha novo rumo quando conhece uma mulher mais velha (Trine Dyrholm, atriz conhecida dos filmes de Susanne Bier) que recebe bebês para adoção. Engraçado que a atriz principal, Vic Carmen Sonne, de HOLIDAY, de Isabella Eklöf, diferente do filme anterior, está bem despida de vaidade, até para compor essa personagem muito sofrida. Senti falta de mais experimentações visuais, que o diretor parece querer entregar no início, mas que depois vai deixando de lado em prol de uma narrativa um pouco mais convencional. Um dos pontos de destaque do filme, a fotografia, está a cargo de Michal Dymek, de EO e do também oscarizável A VERDADEIRA DOR.
MARIA CALLAS (Maria)
Não sou um fã de Pablo Larraín, mas amo seus dois primeiros filmes que abordam o inferno interior da vida de duas pessoas públicas, Jacqueline Kennedy, em JACKIE (2016), e Ladi Di, em SPENCER (2021). Se MARIA CALLAS (2024) fosse tão bom quanto os outros dois, eu ficaria muito satisfeito. Mas o cineasta chileno não estava tão inspirado, provavelmente, o que é natural. Acontece. Angelina Jolie está bem como uma Maria Callas solitária, viciada numa droga que a faz ter alucinações e triste por não ter mais a voz de seus tempos de glória. Alguns flashbacks nos fazem entender um pouco de sua trajetória de vida, mas diria que as melhores cenas são aquelas em que ela contracena com seus empregados, a governanta (Alba Rohrwacher) e o mordomo (Pierfrancesco Favino), dois dos melhores atores do cinema italiano contemporâneo. Indicado ao Oscar na categoria de fotografia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário