Hoje será um dia de exercitar a memória, essa coisa que às vezes me deixa muito preocupado, já que me pego esquecendo de adjetivos e até de substantivos com muita frequência, no dia a dia. Para esse exercício, vou precisar da ajuda do Google para me ajudar a lembrar de certos curtas que ficaram mesmo no esquecimento, às vezes por serem tão breves que já requeriam uma revisão imediata. Além do mais, é da própria natureza do curta-metragem esse aspecto mais sintético e compacto, o que não quer dizer que seja mais simples. Ao contrário, pode ser com frequência mais experimental. Outra coisa: na época do Cine Ceará eu não estava muito bem de saúde. E ainda assim me esforcei para ir todos as noites, pois estava no júri da crítica, mesmo depois de um dia exaustivo de trabalho na escola. Felizmente agora estou melhor, mas foram quase dois meses de corpo um pouco adoentado. Então, por causa do cansaço, não fazia os tradicionais minitextos para os filmes que costumo fazer para depois reutilizar. Comecemos a tarefa.
VOCÊ
Como se trata de um filme de apenas sete minutos, e não estava preparado para um desfecho tão rápido, senti que faltou mais atenção de minha parte de cada detalhe da narrativa de VOCÊ (2024), de Elisa Bessa. Na trama, mãe e filha conversam, com imagens de arquivos e fotos, das experiências que tiveram com seu marido e pai.
QUINZE QUASE DEZESSEIS
A diretora Thais Fujinaga, do ótimo A FELICIDADE DAS COISAS (2021), nos apresenta a um grupo de jovens em cenas que funcionam como blocos. Temos Tamiris, uma menina que, por causa do basquete, tem a chance de estudar numa escola particular. Ela divide as aulas com os treinos e também com as aulas de teatro. É nas aulas de teatro que ela sofre um abuso. QUINZE QUASE DEZESSEIS (2023) é um filme que dialoga bastante com as pautas atuais, enquanto também traz à tona uma peça de Shakespeare em paralelo.
CAVARAM UMA COVA NO MEU CORAÇÃO
Este filme de Ulisses Arthur, CAVARAM UMA COVA NO MEU CORAÇÃO (2024), é um dos mais interessantes desta safra, até pelas locações e por misturar ficção e documentário. O filme se passa num dos bairros que parecem cidades-fantasmas, depois que uma mineradora perfurou a terra para extrair sal-gema e destruir a habitação e, por que não dizer?, a vida de centenas de pessoas em Maceió. As cenas se passam nessa área evacuada, com uma gangue de adolescentes brincando nos espaços. Esse ocorrido na cidade não recebeu a devida atenção da mídia, infelizmente.
EU SOU UM PASTOR ALEMÃO
Angelo Defanti é um diretor que tem no currículo dois longas muito bons, O CLUBE DOS ANJOS (2020) e VERISSIMO (2024). EU SOU UM PASTOR ALEMÃO (2024) é uma divertida e muito inteligente animação sobre um pastor alemão (Mateus Solano, com sotaque alemão) que se vê numa situação de rebelião entre as ovelhas, o que o faz questionar seu papel no mundo. Sua cabeça fica ainda mais confusa ao conhecer uma sedutora loba (Alice Braga) que o encoraja a botar pra fora seu uivo ancestral de lobo.
SALMO 23
Talvez o mais pesado, tematicamente, junto com o trabalho do Carlos Adriano, dos filmes exibidos no Cine Ceará, SALMO 23 (2024), de Lucas Justiniano e José Menezes, acompanha o trabalho de uma fotógrafa da polícia que registra cenas de suicídios. Há alguns dados que são ditos, como o fato de a taxa de suicídio ser maior entre homens do que entre mulheres. A fotografia é escura e o tom parece mórbido, mas imagino que não poderia ser diferente.
TIRAMISÚ
O filme de Leônidas Oliveira, TIRAMISÚ (2024), começa com a protagonista, uma jovem trans, trabalhando num desses constrangedores e espalhafatosos serviços de “loucuras de amor”, em que uma pessoa num carro com uma caixa de som chama a atenção da pessoa amada (e da vizinhança inteira) para uma declaração de amor. Mais tarde, vemos a heroína tendo uma relação de amizade e afeto com um rapaz, que lhe ensina a andar de bicicleta, um meio de transporte simples e barato que simbolizará algo importante para a personagem.
OS MORTOS RESISTIRÃO PARA SEMPRE
Sempre que vejo o nome de Carlos Adriano fico sempre interessado em ver seu novo trabalho. Alguns deles se apresentam como peças políticas de indignação contra a violência apresentada a determinados povos. Casos de O QUE HÁ EM TI (2020), sobre a chacina da intervenção militar no Brasil na época do Governo Lula, ou TEKOHA (2022), sobre a violência e o genocídio de povos indígenas. Mas sempre com uma colagem com a poesia muito delicada. OS MORTOS RESISTIRÃO PARA SEMPRE (2024) apresenta a crueldade do genocídio do povo palestino a partir de imagens de arquivo. Impactante.
MAPUTO
Para este filme vou apenas transcrever o que nosso júri escreveu para ele, quando o escolhemos como melhor curta da mostra competitiva. “Por construir de modo inquietante uma trama de amadurecimento, autodescoberta e pertencimento entre jovens que experimentam uma dinâmica de poder e violência retratadas em um registro fantástico, construído de forma a provar e elevar seu herói, o prêmio ABRACCINE de melhor curta-metragem brasileiro vai para MAPUTO (2024), de Lucas Abraão.
FENDA
Um dos mais premiados curtas cearenses dos últimos anos, FENDA (2024), de Lis Paim, é um delicado drama sobre Marta, uma cientista botânica vivendo em Fortaleza, que recebe a visita de Diná, uma senhora idosa vinda da Bahia. A conversa entre as duas se encaminha por caminhos inesperados a princípio, mas quando vemos se tratar de sentimentos de remorso e de mágoa, sabemos o quanto o mundo das duas foi fragmentado. A diretora contou que sua vontade de fazer o filme veio da vontade de criar uma história sobre mulheres negras de idades distintas, com laços que se conectam e se separam com o tempo. FENDA já veio para o Cine Ceará com o prêmio de melhor-curta metragem em Gramado.
BOLINHO DE CHUVA
Este curta de Cameni Silveira foi um dos que mais me encantou no Cine Ceará. BOLINHO DE CHUVA (2023) traz uma forte relação de duas pessoas com a natureza. Filmes que apresentam a força da chuva e do vento sobre as árvores e a relação desses elementos com as pessoas já me ganham deste o início. Mas este filme de Silveira ainda tem o mérito de trazer um ar de mistério que muito me agrada, além do simbolismo entre as duas idades: a avó, que possui uma função de reter, com sua sabedoria ancestral a chuva, e a menina, que quer o toró para brincar, fazendo os bolinhos de chuva. Muitos detalhes de close-ups de pés e mãos, uso de janela scope e um trabalho de som muito bom são outros detalhes do filme que me ganharam.
DONA BEATRIZ ÑSÎMBA VITA
Rever DONA BEATRIZ ÑSÎMBA VITA (2024), de Catapreta, só me fez admirar ainda mais o filme. Se é que isso era possível. Não que eu tenha conseguido decifrar seus enigmas, mas adoro quando uma obra tão incrível do ponto de vista formal me deixa sem chão, e sem compreender a maior parte de seus significados mesmo assim seguir intrigado e atraído. Não que se trate de um filme “agradável”, no sentido de causar bem-estar. Na verdade, o filme causa certo mal estar desde o começo, quando vemos uma das personagens femininas nuas dirigindo um carro, sem um braço e sem uma perna e se dirigindo a uma versão inteira sua. Que imediatamente a leva num carro de mão, queima seu corpo e vai para o lugar onde ela morava. A partir de então o filme fica ainda mais bonito plasticamente e ainda mais enigmático, já que surgem novos elementos que o caracterizam como fábula, ou algo do tipo. Eu diria que é um filme sobre sacrifícios necessários para a criação e multiplicação de um povo. Mas certamente é muito mais do que apenas isso. Os detalhes dos desenhos são de cair o queixo, assim como os detalhes das carnes e ossos sendo trituradas ou rasgados.
TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM
Delicado filme sobre o amor na terceira idade e também sobre a triste condição de alguém que sofre com o Alzheimer, TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM (2024), de Pedro Filipe, nos apresenta a um casal de idosos: José, um agricultor de 68 anos, e Luiz, de 71, que é o que sofre com a doença e com frequência desconhece o companheiro, vendo-o como um estranho e às vezes até como uma ameaça. A cena final é muito bonita.
TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM
Delicado filme sobre o amor na terceira idade e também sobre a triste condição de alguém que sofre com o Alzheimer, TODAS AS MEMÓRIAS QUE VOCÊ FEZ EM MIM (2024), de Pedro Filipe, nos apresenta a um casal de idosos: José, um agricultor de 68 anos, e Luiz, de 71, que é o que sofre com a doença e com frequência desconhece o companheiro, vendo-o como um estranho e às vezes até como uma ameaça. A cena final é muito bonita.
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