domingo, junho 26, 2022

AO CAIR DA NOITE (Moonrise)



Ultimamente tenho me entusiasmado mais com filmes antigos do que os novos, que, em sua maioria, têm me trazido desapontamentos ou insatisfação. Pode ser apenas uma fase, mas também há o fato de que, quando vemos um filme antigo, em geral já vemos uma obra que sobreviveu ao tempo, que se tornou um clássico ou continua sendo citado ou faz parte de uma curadoria ou tentativa de resgate de alguém atento ao cinema. Logo, as chances de esse filme ser mais apreciado são muito maiores.

Um dia desses, com a vontade de ver um filme antigo, peguei um dos boxes de filme noir da Versátil e, para minha surpresa, percebi que havia um filme dirigido por Frank Borzage, um cineasta que só passei a entrar em contato neste ano, justamente por causa da Versátil, que colocou duas obras-primas suas no box Melodrama no Cinema. Os dois filmes já foram objetos de reflexão aqui no blog. Por enquanto, ESTRELA DITOSA (1929) continua imbatível, mas adoro também A HISTÓRIA COMEÇOU À NOITE (1937). Já sabendo que o auge de Borzage foi nas décadas de 1920 e 30, já fiquei curioso como ele se sairia na era do cinismo e do pessimismo, os anos 1940 que pariam o filme noir.

Daí AO CAIR DA NOITE (1948) ser uma obra tão particular dentro do cinema que se praticava na época. Já que o próprio Borzage não gostava e nem se identificava com os rumos que sua arte passava naquele período, certamente sua incursão em uma história de assassinato seria no mínimo muito distinta. Aqui vemos a história de um homem que passou a vida inteira sofrendo bullying pelo fato de seu pai ter sido condenado à forca pela morte de um homem. Se sofrer bullying por qualquer motivo que seja já é cruel, imagina o quão cruel é lembrar e escarnecer de uma criança pelo modo como seu pai morreu!

E eis que vemos um pouco da infância de Danny (Dane Clark), mas logo somos levados a sua vida adulta, em que ele segue sendo alvo de agressões pelos demais rapazes da sua idade, e isso vem muito do fato de ele ser mais pobre, de não fazer parte do grupo de filhos de empresários também. Numa das brigas com um rapaz por causa de uma garota (Gail Russell), ele o mata acidentalmente. Com um soco, a cabeça do rapaz bate em uma pedra. Desesperado, ele esconde o corpo do rapaz e tenta seguir com a culpa, mas também imaginando que a qualquer momento pode ser descoberto. Enquanto isso, ele passa a se aproximar mais da moça por quem é apaixonado, a já citada Gilly (Russell), uma professora do ensino infantil.

O mestre do melodrama Borzage nos convida a compartilhar da angústia desse homem. Ainda que a morte tenha sido acidental, à medida que ele vai escondendo o fato de todos, inclusive da mulher que ama, a situação vai se tornando cada vez mais insuportável. Há algumas cenas que são assustadoras, assombrosas, como a que o protagonista dirige o carro em alta velocidade e vê a imagem do homem que acabara de matar.

Também é vertiginosa a cena da montanha-russa. O que torna AO CAIR DA NOITE menos amargo é que seu diretor é um homem que procura caminhos de paz, é um cineasta de linha espiritual e que sofre com seus personagens, sejam eles heróis puros ou homens maculados e confusos. A cena final se distingue bastante dos tons amargos predominantes no cinema da época, quando a redenção chega e até a expressão no rosto de Danny muda pela primeira vez no filme inteiro, assim como a iluminação do ambiente. De arrepiar.

Título visto no box Filme Noir Vol. 11.

+ DOIS FILMES

A SUSPEITA

Até que para um diretor com o currículo em telenovelas, Pedro Peregrino tem um interesse em fazer algo que fuja um pouco do que se convenciona trazer para as salas de shopping. Certamente é a presença de Gloria Pires que chama a atenção para o filme, e ela é a melhor coisa de A SUSPEITA (2021), uma espécie de variação em torno de AMNÉSIA (do Nolan) e MEU PAI (Zeller). Ou seja, é um filme que procura nos deixar quase tão desnorteados quanto a personagem com Alzheimer vivida pela atriz. O roteiro assinado em oito mãos podia ter sido melhor pensado para que a trama parecesse um pouco mais envolvente e também com mais verossimilhança - afinal, a polícia deixar que alguém com problema grave de saúde continue a trabalhar é caso de polícia. Mas talvez eu não esteja em condições de opinar, pois meus vários cochilos durante a sessão (culpo a alergia, principalmente, e o cansaço) fizeram com que a experiência do filme para mim guardasse semelhança com a experiência da heroína.

O DESTINO DE HAFFMANN (Adieu Monsieur Haffmann)

Um filme bastante envolvente, mas que vai perdendo a força em seus momentos finais quando se torna uma espécie de suspense barato à Supercine, mas sem ter a intenção de sê-lo (eis o problema). Ainda assim, temos em O DESTINO DE HAFFMANN (2021), de Fred Cavavé, uma trinca de atores que defendem muito bem seus papéis. Daniel Auteuil é o judeu que precisa fugir da França - os alemães começaram a prender e deportar os judeus. Gilles Lellouche é o sujeito que aceita fazer um negócio com o empresário rico vivido por Auteuil, em troca de desfazer o negócio ao fim da guerra. Sara Giraudeu faz a minha personagem preferida, a mulher de Lellouche que aceita uma proposta indecente do marido. Aliás, é com essa proposta que o filme vai se tornando mais interessante. Pena que deixe quase tudo a perder em seus instantes finais e no excesso de vilania de um dos personagens.

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