sábado, setembro 11, 2021

VESTIDA PARA MATAR (Dressed to Kill)



11 de setembro é lembrado como o dia do ataque às Torres Gêmeas. Mas é também o dia do aniversário do mestre Brian De Palma, que hoje está fazendo 81 anos. Embora a última década não tenha sido muito feliz para ele, com apenas dois filmes produzidos e que não foram nem sequer exibidos em nosso circuito de cinemas, para os anos 2020 ele já tem um em pré-produção (estrelado por Wagner Moura) e um anunciado. Já é motivo de alegria. Coincidência ou não, hoje escrevo sobre VESTIDA PARA MATAR (1980), um de seus filmes mais celebrados e um dos que mais bebem da fonte de Alfred Hitchcock, desta vez fazendo uma homenagem bem especial e explícita a PSICOSE.

Foi um dos primeiros filmes de Brian De Palma que vi na televisão, na aurora de minha cinefilia. Na época exibiam bastante este, DUBLÊ DE CORPO (1984) e OS INTOCÁVEIS (1987). Então, não sei qual dos três vi primeiro. Mas a minha memória dele estava um tanto nebulosa. É curioso isso, costumou acontecer durante muito tempo com PSICOSE também, o filme aqui homenageado: depois da morte da suposta protagonista, me esqueço do que acontece em seguida, como se morresse junto com a vítima. Com as revisões, esse problema tem diminuído.

VESTIDA PARA MATAR começa com uma cena bastante ousada: Kate, a persongem de Angie Dickinson, se masturba no chuveiro, enquanto olha para o marido tirando a barba em frente ao espelho – a cena logo faz lembrar a de Carrie no chuveiro em CARRIE, A ESTRANHA (1976), inclusive com o mesmo compositor, Pino Donaggio, trazendo uma aura de prazer e calma temporária para as personagens. Mas, logo em seguida, essa sensação boa de Kate se mostra um pesadelo (ou seria um sonho nascido de suas fantasias?): um estranho surge na cabine do chuveiro e a pega por trás, tapando sua boca, tocando seu sexo e impedindo que o marido a veja, talvez por causa do vapor que impede a visão. Quando acorda do sonho, ela acorda também para o sexo burocrático e rápido com o marido, que mais adiante vamos ver que é algo que a deixa insatisfeita, conforme ela conta a seu psicanalista, o Dr. Robert Elliott (Michael Caine).

É importante perceber que uma cena como essa, que traz, ainda que de maneira pouco explícita, a possibilidade de que Kate estava fantasiando um estupro, seria complicada de ser filmada nos dias de hoje. Mesmo na época do lançamento houve bastante rebuliço em diversas frentes, como o Women Against Violence Against Women, que organizou grupos para protestar contra o filme. Aliás, hoje certamente o roteiro teria que ser refeito, por conta também da abordagem das pessoas transexuais. Mas é importante que entendamos que isso é um produto de sua época e que serve como estudo em diversas áreas (sociologia, psicologia, sexologia, história etc.).

Durante a sessão de terapia, e de ela chegar a perguntar ao próprio médico se ele teria coragem de transar com ela – vemos que Kate está de fato muito carente -, ele recusa, dizendo ser um homem casado, e que não seria capaz de destruir seu casamento por uma transa. Seguimos então com Kate visitando um museu. Ela se senta em um banco de maneira muito semelhante à Madeleine em UM CORPO QUE CAI, de Hitchcock. Aliás, todo o jogo de gato e rato com um homem que ela conhece e se sente atraída no museu também tem um quê forte do clássico de Hitch. E De Palma manipula a câmera de maneira frenética pelo museu.

Posteriormente, com o sexo que já começa no banco de trás do carro, e vai até o apartamento do estranho, ela é atacada na famosa cena do elevador por uma loira misteriosa com uma navalha. Trata-se claramente de uma homenagem à cena do chuveiro de PSICOSE. E a comparação não para por aí, claro, conforme veremos quando o filme se aproxima de sua conclusão.

A morte de Kate parece muito ligada a um sentimento de culpa, a julgar pelos seus pensamentos envolvendo o marido e o filho, e também pelo documento que ela encontra na gaveta do estranho, um resultado de um exame que informa claramente que ele está com uma doença venérea, o que a deixa muito perturbada, como se aquilo já fosse o castigo pelo seu pecado. A loira assassina, a essa altura todo mundo já sabe, é um homem travestido de mulher com óculos escuros e um casaco muito parecido com o de Kate. E isso é bastante representativo do quanto esse personagem está muito próximo de uma materialização da autopunição. E é mais uma vez De Palma lidando com os duplos.

Durante e após a cena do elevador, surge a próxima protagonista, Liz, vivida por Nancy Allen, que, pela segunda vez, faz o papel de uma jovem e doce mulher “especializada”, por assim dizer, em sexo. Lembremos que em TERAPIA DE DOIDOS (1979), Allen era uma ninfomaníaca. Em VESTIDA PARA MATAR, ela “evolui” para uma garota de programa. Neste filme ela repete a parceria com Keith Gordon, mais uma vez vivendo um avatar de um jovem Brian De Palma, chamado Peter.

Nancy está lindíssima no papel de Liz, que é suspeita pelo assassinato de Kate, e depois dá uma de detetive – ela é encorajada pelo próprio delegado a investigar por conta própria no consultório do psiquiatra. Ela faz isso com a ajuda de Peter, que fica do lado de fora na mesma posição de voyeur “do bem” que representou no longa anterior do diretor. E Liz usa sua melhor arma, a sedução, como forma de entreter o médico. E que baita cena sensual vemos a seguir, meus amigos! Talvez seja uma das cenas mais eróticas de um filme do De Palma, por mais que seja uma cena muito mais de provocação do que de nudez. É após o ato audacioso de Liz que a personagem travesti esquizofrênica ataca novamente.

Uma pena que o filme não tenha sido bem recebido pelos críticos americanos na época de seu lançamento. A maioria só conseguiu vê-lo como uma cópia vulgar de PSICOSE, sem prestar atenção ou perceber a profundidade dos dramas de seus personagens (as lutas interiores de Liz, Kate, Peter e Elliott), que talvez venham muito mais da vida e das neuroses de próprio De Palma do que de uma vontade de, simplesmente, fazer um remake mais sangrento e atualizado para tempos de slashers do clássico de Hitchcock. 

+ DOIS FILMES

TÉCNICA DE UM DELATOR (Le Doulos)

O filme que escolhi para homenagear Jean-Paul Belmondo foi também minha estreia no cinema de Jean-Pierre Melville, muito provavelmente o maior cineasta do gênero policial do cinema francês. E foi bom ver o quanto os franceses se alimentaram do noir americano, com seus personagens amorais e um tipo de iluminação belamente contrastante, mas adotando um ritmo mais lento, o que acaba por acentuar e enfatizar os momentos de violência mais brutal. A primeira vez que vemos um assassinato em TÉCNICA DE UM DELATOR (1962) é de fato assustador. Em seguida, há aquela cena com Belmondo e uma mulher que é impressionante. Por vezes fiquei um tanto perdido na trama complexa e cheia de personagens, mas o diretor parece se divertir com isso, com as tramas de traição entre polícia, ladrão, suposto informante etc. E Belmondo está ótimo, embora, durante a maior parte do tempo o protagonista do filme seja Serge Reggiani.

HOMENS INDOMÁVEIS (Silver Lode)

Olhando a lista dos 1.000 filmes essenciais de Jonathan Rosebaum, estava em busca de um grande western que ainda não tivesse visto e que fosse fácil de achar no meu acervo. E eis que vejo este maravilhoso filme de Allan Dwan, HOMENS INDOMÁVEIS (1954), um de seus mais cultuados trabalhos, e que também funciona como uma das melhores obras sobre o mccarthismo. Mas o mais importante é como ele funciona como um suspense eletrizante cuja trama se passa em tempo real, ainda que isso não seja citado. Acompanhamos o drama de Dan Ballard (John Payne), um homem que tem seu casamento interrompido por um bandido disfarçado de agente federal (Dan Duryea). Curiosamente, o nome do personagem de Duryea é McCarty. Durante a maior parte do tempo, Dan precisa provar sua inocência, enquanto sua situação vai se complicando cada vez mais, já que a maior parte da cidade passa a vê-lo como um criminoso traidor. Destaque para um plano-sequência que mostra Dan atravessando quatro quarteirões, tentando se esquivar dos bandidos, da polícia e da própria população enlouquecida. A direção de fotografia é do lendário John Alton. Filme presente no box Cinema Faroeste Vol. 5.

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