sexta-feira, setembro 24, 2021

CRY MACHO – O CAMINHO PARA A REDENÇÃO (Cry Macho)



A questão do peso da idade no cinema de Clint Eastwood, seu temor, ao mesmo tempo que também seu senso de humor em relação a sua chegada, aparece em seus filmes desde os anos 1980, com BRONCO BILLY (1980). E na época do lançamento desse filme ele estava apenas com 50 anos de idade, ou seja,  naquela época, chegar a tal idade já era mesmo um atestado de velhice. Mal sabia ele que teria a chance de acompanhar seu corpo envelhecer ainda mais, e que seus filmes abordariam o tema do crepúsculo da vida de maneira ainda mais intensa.

Aconteceria novamente em OS IMPERDOÁVEIS (1992), em COWBOYS DO ESPAÇO (2000), em DÍVIDA DE SANGUE (2002), em MENINA DE OURO (2004), em GRAN TORINO (2008) e em A MULA (2018). Nesse anterior, principalmente, o impacto da decadência física do maior símbolo da masculinidade da década de 1970 se apresenta de maneira impiedosa. E no novo trabalho, CRY MACHO – O CAMINHO PARA A REDENÇÃO (2021), esse efeito se intensifica, já que o que temos à nossa frente é um senhor de 91 anos claramente frágil desempenhando, de vez em quando, algumas cenas de ação, mesmo que com a ajuda de dublês e da montagem.

O que tem incomodado a muitos em CRY MACHO é o roteiro, sua simplicidade e suas falhas. Mas há também outra maneira de ver as situações absurdas que a trama traz: através do viés da fantasia. Ou seja, depois de maltratar seus personagens em filmes tão duros quanto MENINA DE OURO e GRAN TORINO, Eastwood presenteia a si mesmo com um filme leve e de final feliz (ou um pouco agridoce). E é curioso como situações felizes e finais felizes são vistos com estranheza, quase como situações surreais.

Quando Mike, o personagem de Eastwood, encontra um abrigo paradisíaco na casa de uma viúva e está ao lado de um garoto que o vê como a figura paterna que nunca tivera até então, o velho caubói encontra naquele momento a paz e a segurança que finalmente merece, depois de ter perdido a esposa e o filho em um acidente e de ter maltratado seu corpo e sua alma com o álcool e as drogas por um período considerável de sua vida. Agora ele está ali sendo visto quase como um santo capaz de curar animais pelas pessoas do vilarejo, sendo adorado e muito bem cuidado por uma mulher carinhosa, comendo tortillas e ainda podendo ensinar a arte de cavalgar ao garoto que o acompanha. É como se, neste filme, Eastwood quisesse fazer uma espécie de versão negativa (ou positiva?) de seus melodramas mais sombrios. Mesmo que sentíssemos no ar algo muito parecido com um sonho, algo não apenas pouco palpável, mas também difícil de digerir, se visto por uma chave realista ou de verossimilhança.

CRY MACHO é uma espécie de filme-irmão de A MULA. Mais uma vez temos um homem idoso em uma missão. Assim, o diretor deixa um pouco de lado suas crônicas sobre heróis americanos ultimamente frequentes e volta a seu interesse de retratar a dor de eventos passados que ainda latejam na alma presente. Aqui, porém, ele prefere fazer isso de uma maneira mais suave, que nos faz sorrir com uma agradável paz de espírito em muitos momentos.

A história da amizade entre um homem mais velho e com um ótimo senso de humor que passa a representar uma figura paterna para um garoto já havia sido retratada de maneira dolorosa na obra-prima UM MUNDO PERFEITO (1993), e retorna aqui, com Clint no papel de um velho caubói que tem a missão de resgatar o filho de um amigo no México. Na verdade, o resgate seria mais um sequestro, já que ele levaria o menino sem a "bênção" de sua mãe. Ao contrário, muito da divertida aventura viria dessa fuga da polícia e dos capangas da mãe do menino. E parte dessa aventura seria mostrada em chave cômica, como nas vezes em que o galo do garoto, de nome Macho, é fundamental para a resolução de conflitos.

CRY MACHO pode parecer um pouco fora de moda, tangenciando o brega em alguns momentos, mas é o filme de alguém que adora o gênero western e um de seus maiores ícones (a própria imagem de Clint com aquele chapéu de caubói deixa claro e é uma imagem poderosa), e também de alguém que está chegando ao centenário de sua vida. É um privilégio poder testemunhar o trabalho constante deste grande realizador.

+ DOIS FILMES

MATE OU MORRA (Boss Level)

Filme que tem Mel Gibson, Naomi Watts e loop temporal eu não ia deixar passar, mesmo já tendo cara de ser do tipo mais bagaceira. E de fato é. Porém, uma vez que a gente espera o pior, até que MATE OU MORRA (2021), de Joe Carnahan, é um entretenimento razoável. É interessante notar como esse tipo de variação de FEITIÇO DO TEMPO (mais um, pois é), ao menos não se preocupa muito em explicar. É tudo muito rápido e o protagonista (Frank Grillo) já está vivendo o mesmo dia por cerca de uma centena de vezes. Como se trata de um filme que procura dar mais ênfase à ação, quando ele para um pouco para ser mais sensível (nas cenas com o filho, por exemplo), ele se mostra ainda mais falho. Como é também um filme que exalta os games, assim como também é NO LIMITE DO AMANHÃ, com Tom Cruise, outro que usa a mesma ideia do filme de Harold Ramis, então a falta de valor na vida ganha pouca importância. Mas creio que isso sequer passou pela cabeça de seus criadores. Quanto a Frank Grillo, ele vai ter que fazer bastante filme ainda pra conseguir o mínimo de carisma necessário para virar um bom herói de ação.

LOS LOBOS

É fácil se colocar no lugar dos três personagens de LOS LOBOS (2019), de Samuel Kishi. Da jovem mãe que procura um lugar simples e que possa pagar o aluguel ao se instalar ilegalmente nos Estados Unidos, ainda sem dominar o inglês. E dos dois meninos, que se veem obrigados a ficar trancados dentro do pequeno apartamento, sem ter muito o que fazer, até que a mãe retorne do trabalho, exausta, para lhes dar atenção. Talvez lá pelo meio do filme esse cansaço da personagem adulta nos contamine um pouco e o que parecia um filme que tinha muito para ser muito impactante (é fácil se lembrar de PROJETO FLÓRIDA) se perde um pouco. Ainda assim, gosto de como ele termina, gosto dos desempenhos das crianças e da atriz principal. Ponto para Fátima Toledo, a preparadora de elenco de CIDADE DE DEUS e de TROPA DE ELITE, e que muito provavelmente foi responsável pelo sucesso do pequeno elenco.

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