domingo, setembro 05, 2021

O ÚLTIMO ÊXTASE



É muito curioso ver O ÚLTIMO ÊXTASE (1973) e procurar entendê-lo dentro da mitologia de Marcelo, o alter-ego de Walter Hugo Khouri. Mas antes é preciso lembrar que esse personagem ainda estava em formação. Para se ter uma ideia, ele surgiu pela primeira vez como um simpático jovem de vinte e poucos anos em AS AMOROSAS (1966) e esta foi sua segunda aparição, como um adolescente de 18 anos. Em seguida ele aparece morto em O DESEJO (1975), como uma espécie de fantasma. É como se o cineasta, mesmo que inconscientemente, tivesse que matá-lo para trazê-lo de volta como o vampiro insaciável e amargo.   

Khouri havia saído do bergmaniano AS DEUSAS (1972), filme tão herdeiro de PERSONA, que parece também inalcançável ou intangível. Em O ÚLTIMO ÊXTASE, começa-se a aprofundar o personagem Marcelo (vivido pelo filho Wilfred Khouri), que encara a figura de um homem de meia idade (Luigi Picchi) que muito nos faz lembrar o Marcelo que já estamos acostumados a ver nos filmes posteriores, estrelados por atores mais maduros.

A intenção de Khouri mais uma vez é tratar menos do desejo e mais da angústia. Esse sentimento está presente desde o começo. Estamos vendo dois casais de jovens belos e na flor da idade acampando, se beijando, tomando banho nus no rio, mas é como se uma nuvem negra estivesse pairando no ar sempre. E é o protagonista que traz esse mal estar; ele é uma pessoa difícil de ser compreendida, por mais que a câmera nos aproxime de seu olhar. A câmera, que utiliza o zoom com frequência, parece desejar compreender a alma do personagem. Mas há também uma curiosa sensação de que a câmera observa às escondidas os personagens. Isso se explícita no momento em que eles sentem a presença de um animal selvagem, na floresta. 

Lilian Lemmertz, grande musa do cineasta, está mais uma vez presente e representa um misto de figura materna e objeto de desejo. Ela surge após uma forte chuva que derruba a barraca onde dormem os quatro jovens e convida-os para tomar o café-da-manhã perto do luxuoso trêiler onde ela e o marido (Picchi) se instalaram. Todos os jovens ficam animados com a companhia dos novos vizinhos, exceto Marcelo. A bela loirinha Marta (Dorothée Marie Bouvyer) fica logo com os olhos brilhando com o luxo, ela que estava reclamando da falta de grana do namorado Jorge (Ewerton de Castro). Ele, por sua vez, fica interessado na mulher mais madura (Lemmertz). E Marcelo fica enciumado com o quanto sua namorada Lucy (Ângela Valerio) demonstra alegria com a companhia dos demais. Esse ciúme se apresenta como uma possessividade doentia do personagem, um tipo de insegurança que não estávamos acostumados a associar ao personagem mais famoso de Khouri.

Mas claro que é possível estabelecer uma conexão entre a insegurança do jovem e o futuro do personagem, à construção de uma busca de prazer insaciável com muitas mulheres e a um casamento fracassado. Quanto à relação incestuosa que ele teria com a filha em EU (1987), talvez isso esteja presente nas entrelinhas do que ele conta da primeira vez que acampara naquele mesmo lugar, quando dormiu deitado entre o pai e a mãe. Por mais que esse tipo de informação não diga muita coisa, o olhar sombrio de Marcelo ao falar disso com seriedade pode ajudar a dizê-lo.

De uma forma ou de outra, o importante é que essa dificuldade de encontrar certezas dentro do universo khouriano funciona como um convite para que possamos, sempre, com prazer revisitar suas obras. O sentimento de angústia é contagioso, eu sei, mas há algo de identificação que sempre me atrai a seus filmes.

Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.

+ DOIS FILMES

A CADELA (Liza / La Cagna)

O cartaz de A CADELA (1972) e um pouco de seu conceito têm um quê de exploitation, mas quem procura vê-lo esperando algo do tipo vai ter um bocado de decepção. Outros atrativos são a direção de Marco Ferreri e a presença de um dos casais mais legais da história do cinema, Catherine Deneuve e Marcello Mastroianni. Na história, ele é um cartunista que prefere adotar uma vida reclusa em uma ilha deserta, tendo uma esposa e uma filha em Paris. Ela é uma mulher de passado desconhecido que vem parar na ilha e se apaixona por ele. A questão de ela querer substituir o cachorro vem de ela ter sido responsável pela morte do bichinho. Mas daí não há muita coisa que anime amantes de s&m, não. É tudo muito sutil. E também um bocado aborrecido. Curioso o momento que o personagem de Mastroianni viaja para Paris e o filme parece se transformar em outro. Principalmente na breve cena com Michel Piccoli.

RAÇA MALDITA (The Killing Kind)

Talvez PSICOSE seja a mais influente obra do gênero horror de todos os tempos. Neste filme de Curtis Harrington também temos uma figura materna forte e um rapaz com problemas sexuais que acaba se tornando um psicopata. Mas na década de 1970 não havia mais tanta necessidade de dar muitas explicações sobre as questões psicológicas dos personagens, tudo era mais facilmente compreendido pela nova sociedade. RAÇA MALDITA (1973) começa com o jovem John Savage sendo levado a estuprar, junto com seus amigos, uma jovem. Ele não consegue, mas mesmo assim é preso por dois anos. Quando volta para casa, seus instintos de vingança, de frustração sexual e sua relação estranha com a mãe vão acumulando situações tensas e mortes. A direção de fotografia é de Mario Tosi, que anos depois trabalharia com De Palma em CARRIE, A ESTRANHA. O uso de tons suaves de luz e cor comparecem neste filme também. Filme presente no box Obras-Primas do Terror 15.

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