sábado, maio 01, 2021

CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 (Brawl in Cell Block 99)



A descoberta do cinema fenomenal de S. Craig Zahler, pra mim, começou no ano passado, ao ver seu terceiro longa-metragem, JUSTIÇA BRUTAL (2018). Na época que vi nem tinha esse título brasileiro ainda, que surgiu quando o filme foi lançado no Prime Video. Agora que terminei de ver o filme que faltava dos três longas do cineasta, estou me sentindo meio órfão, por mais que eu saiba que sempre será um prazer poder rever cada uma de suas pérolas.

Se o seu primeiro filme, RASTRO DE MALDADE (2015), é um mix de western com horror, e de certa maneira traz um namoro com dois gêneros essencialmente masculinos, sendo que o segundo gênero está proximamente ligado ao ciclo de filmes canibais italianos dos anos 1970 e 80, este seu segundo trabalho, CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 (2017) é uma homenagem aos tradicionais filmes de prisão de baixo orçamento. Assim como Quentin Tarantino, Zahler tem um carinho muito grande por esses filmes mais baratos; e assim como Tarantino, ele também tem um estilo tão sofisticado de direção que faz com que o exploitation, o grindhouse se misture com o chamado arthouse. O que, aliás, pode deixar muitos espectadores impressionados ou até confusos.

CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 é mais um de seus filmes que tem um tom de tragédia e que nos deixa sem chão, além de nos manter vidrados na tela do começo ao fim. Este filme de presídio (que na verdade só começa a ser um filme de presídio depois dos 40 minutos de duração) usa muito ambientes fechados nos lugares onde a violência mais intensa impera. Vince Vaughn, com seus dois metros de altura, convence muito como um sujeito que é capaz de enfrentar vários homens ao mesmo tempo.

Aliás, logo no começo do filme, quando seu personagem, Bradley, descobre que sua esposa (Jennifer Carpenter) o está traindo, a imagem ameaçadora de seu corpo alto nos faz imaginar que ele cometerá agressão à mulher. Em vez disso, ele destrói o carro dela em uma cena com um misto de humor, tristeza e medo. A conversa mais intimista e de busca de reconciliação dos dois, a seguir, nos apresenta a um homem mais carinhoso do que imaginávamos. Mas também um homem disposto a trabalhar no tráfico de drogas para poder dar mais conforto à sua esposa. Pelo menos por um tempo. Essa era a ideia.

Então, as cenas seguintes nos mostrarão, de certa forma pausada, como é o estilo de Zahler, a rotina de trabalho no submundo das drogas de Bradley, que desencadeará na cena de tiroteio com a polícia no porto. Como não deseja negociar com a polícia e entregar o amigo e chefe do tráfico, prefere enfrentar os anos na cadeia. Enquanto isso, a esposa está grávida. O tom do filme muda bastante quando o protagonista entra na prisão, e vai se tornando ainda mais intenso quando ele precisa tomar atitudes violentas para evitar que o filho de sua esposa ainda grávida e capturada seja agredido.

Assim como Kurt Russell em RASTRO DE MALDADE e Mel Gibson em JUSTIÇA BRUTAL, o personagem de Vaughn em CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 é impregnado de uma tragicidade forte. E embora a hiper-violência pareça estar fora de moda nos dias de hoje, o modo como Zahler a usa é tão passional quanto o amor de seus heróis por suas amadas. A cena do telefonema no final é de cortar o coração. Mas o mais importante é estarmos vendo grande cinema.

Outro destaque também é o cuidado de Zahler com a composição visual. Se em RASTRO DE MALDADE havia uma intenção de mostrar mais planos abertos e paisagens do deserto americano, o que é próprio do western, aqui a opção pela janela 1,85:1 é apropriada, já que é a imagem de Vaughn que enche a tela. Há também uma opção pelo azul mais forte. Na cultura anglo-saxônica, o azul tem uma forte conexão com a tristeza.

Outro ponto alto do filme é o quanto a violência é mostrada de maneira seca e impactante, e sem a irritante mania que o cinema contemporâneo tem de picotar as imagens. Por isso a cena de Bradley quebrando o braço do agente carcerário ser tão intensa. E isso é só o começo da escalada de violência que o filme traria até sua magistral conclusão.

Agora é torcer e esperar pelo próximo trabalho de Zahler, que, esperamos, possa ser visto em gloriosa tela grande.

+ DOIS FILMES

GALO DE BRIGA (Cockfighter)

E o filme que escolhi para homenagear Monte Hellman, falecido no dia 20 de abril, foi este estranho filme sobre rinhas de galo. Digo "estranho" pois parece pouco com os westerns existencialistas estrelados por Jack Nicholson ou com o mágico e maravilhoso CAMINHO PARA O NADA (2010). Nesse sentido, GALO DE BRIGA (1974) é de certa forma convencional em sua estrutura narrativa, para os padrões do diretor. Não é um filme que eu gostaria de rever, pois lida com algo que me incomoda muito, os maus tratos com os animais. O cartaz, porém, vende o filme como algo próximo do proibido, do exploitation, com sangue e nudez. Sangue tem sim, nudez quase nada, mas chega uma hora que a gente torce pela revolta dos pássaros, como no filme do Hitchcock. Além do mais, é filme para se ver com certo distanciamento, já que os personagens são bem difíceis de serem gostados. Ainda assim, é dessas obras estranhas que merecem a apreciação, pois não faltam cenas bizarras e antológicas. E deve haver algo de um simbolismo importante ter um protagonista que escolhe o voto do silêncio por vontade própria.

A RENEGADA (Woman They Almost Lynched)

Curioso como a publicidade desse filme foi errada, já que não se trata de um filme sobre Kate Quantrill (Audrey Totter), a mulher do fora-da-lei Charles Quantrill (Brian Donlevy), mas sobre a bela, corajosa e elegante Sally Marris, vivida por Joan Leslie. E ao que parece A RENEGADA (1953) é um dos primeiros westerns feministas, por assim dizer, antecedendo em um ano JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray. O filme é empolgante, romântico e cheio de momentos de tensão. O que dizer da cena de briga das duas mulheres? Ou do modo como Sally assume os negócios do falecido irmão tendo que lidar com gente tanto do Norte quanto do Sul no saloon? A história se passa em uma cidade que fica na fronteira entre o norte e o sul do país, em um momento tenso da guerra. Felizmente o grande diretor Allan Dwan ficou satisfeito com a atriz e a escalou para seu filme seguinte, AO RUGIR DA METRALHA (1953), um drama de guerra.

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