terça-feira, novembro 10, 2020

SÓ A MULHER PECA (Clash by Night)



Eis um dos mais belos e poderosos trabalhos de Fritz Lang. O bom e velho cineasta austríaco fez um filme para destroçar nossos corações. Um melodrama com uma pitada de veneno em um drama familiar que ganha contornos bem dramáticos a partir de um triângulo amoroso. Barbara Stanwyck está em um de seus melhores papéis, como a mulher desencantada com a vida que volta para casa em uma pequena cidade pesqueira a fim de reconstruir a vida. As dores e as contradições de sua personagem nos contaminam, assim como também é doloroso ver um homem tão bondoso quanto o personagem de Paul Douglas sofrer no processo.

SÓ A MULHER PECA (1952) traz muito pano para manga para discussão sobre traição, o papel da mulher na família ontem e hoje, violência e possessividade masculina etc. E ainda tem a Marilyn Monroe em um papel pequeno, mas já apontando para a glória que ela alcançaria já no ano seguinte.

Este é um filme em que Lang privilegia os exteriores, o que não era muito comum, a não ser em trabalhos mais atípicos, como foi o caso de GUERRILHEIROS DAS FILIPINAS (1950), que pode ser visto como uma obra à parte em sua filmografia. Aqui até mesmo ele obteve comparação com Rossellini e o neorrealismo italiano, na sequência inicial, que mostra a rotina do trabalho de pesca da vila onde se passa a história, filmada em Monterey. A introdução do filme mostra as ondas, as gaivotas, os barcos, o empacotamento das sardinhas na fábrica. Isso não era muito comum no cinema americano da época. Tanto que o próprio Lang conta que viu uma versão de seu filme na televisão sem essa sequência "documental" introdutória.

Acho que foi o filme que mais me fez admirar a grandeza de Stanwyck como intérprete. Ela está brilhante. E também especialmente gentil, já que havia uma tensão por causa da presença de Marilyn Monroe no set, já que ela chegava atrasada e esquecia as falas, e, como ela era uma artista em ascensão, muitos jornalistas iam visitar o set só para entrevistá-la, não queriam falar com Stanwyck ou Lang. Paul Douglas odiava Marilyn. Já o produtor sabia da estrela que ela carregava e queria dar destaque a ela. SÓ A MULHER PECA foi seu primeiro grande filme, ainda que em um papel de coadjuvante.

No entanto, o papel dela e o de Keith Andes, um jovem casal de namorados, é bastante representativo do tipo de relação de poder e resistência entre homens e mulheres que se apresentava na sociedade americana daquele período . O rapaz está sempre destacando seu machismo, enquanto ela fica um tanto contrariada, mas, como gosta dele, releva algumas coisas. Interessante que é com os dois que Lang faz a cena mais virtuosa do filme, com um plano-sequência que mostra os dois saindo da praia e chegando até o restaurante, sob o olhar do personagem de Robert Ryan, que, sozinho, procurava assediar tanto a jovem quanto a namorada/esposa de seu (supostamente) melhor amigo.

O final do filme é de uma força incrível. E Lang fez muito certo ao mudar o final original da peça de Clifford Odets. Por acreditar que a violência só leva à desgraça e achar absurdo o crime passional, Lang trouxe um destino lindamente agridoce para seus protagonistas, depois do inferno pelo que passaram. Filmar uma explosão emocional causada por traição e dor dentro de um lar não é fácil. Mas quando alguns cineastas acertam no ponto, é impressionante como isso mexe comigo.

Acredito que hoje o filme seja visto de uma maneira bem diferente da época de sua realização. Alguns o consideram machista. Não creio que seja, mas acredito que não sou eu a pessoa mais certa para julgar. Só acho que Lang fez um retrato até que bem progressista da mulher daquela época, uma mulher disposta a enfrentar o seu próprio destino, nem que seja para ficar sozinha ou com má fama.

E o fato de não vermos o início do momento do adultério propriamente dito, mas acompanharmos apenas o ponto de vista de Jerry (Douglas), contribui para que soframos um pouco com ele. Depende do espectador julgar ou não os personagens. Por isso que muitos consideram este um dos filmes de Lang que mais admite diferentes interpretações. O fato é que eu acabei de ver um dos melhores filmes do cinema americano já feitos. E estou muito feliz com isso.

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