sexta-feira, setembro 11, 2020

O SEGREDO DA PORTA FECHADA (Secret Beyond the Door...)

É interessante este encaminhar de Fritz Lang pelo caráter de sonho que o cinema pode tão bem materializar (se é que esse é um verbo que combina com o sonhar). Ainda considero a sua melhor empreitada neste sentido o maravilhoso (e pouco citado) QUANDO DESCERAM AS TREVAS (1944), mas todos os trabalhos seguintes a esse têm esse tom de sonho e/ou pesadelo que os torna no mínimo muito atraentes.

O SEGREDO DA PORTA FECHADA (1947) lembra alguns títulos da década de 1940, como três de Alfred Hitchcock (REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL; SUSPEITA e QUANDO FALA O CORAÇÃO, este último por causa das explicações psicanalíticas explícitas). REBECCA, aliás, foi o filme que inspirou Lang a fazer O SEGREDO DA PORTA FECHADA, que também traz elementos que lembram A SÉTIMA VÍTIMA, de Mark Robson, e A MULHER DESEJADA, de Jean Renoir (confesso que não vi esse último, mas já me antecipo em incluí-lo aqui, tendo em vista as associações que alguns críticos costumam fazer.)

E o curioso é que o filme sofreu muitos cortes por parte da Universal, que resultou em uma edição muito diferente da desejada pelo diretor. No entanto, há quem diga que isso acabou por tornar o filme ainda mais delirante, por "acentuar mais sua qualidade onírica". Quem falou isso foi o crítico Adrian Martin em seu texto para o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer.

Aliás, achei bem curioso o fato de O SEGREDO DA PORTA FECHADA estar entre os cinco filmes do cineasta escolhidos para integrar o livro, já que os outros têm um caráter muito mais canônico, são são muito mais populares:DR. MABUSE, O JOGADOR (1922), METRÓPOLIS (1927), M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931) e OS CORRUPTOS (1953). Ou seja, ponto para o livro, que parece optar de vez em quando por obras menos óbvias do cinema universal.

Um dos aspectos mais curiosos deste filme é uma utilização generosa da voice-over. Inclusive, sem ela, acredito que a motivação dos personagens, especialmente de Celia, a protagonista, vivida por Joan Bennett, seria difícil de entender. A princípio, eu achei que esse excesso de vozes dos pensamentos da personagem seria resultado de alguma adaptação de um romance, mas não é o caso aqui. Foi uma vontade de experimentar do próprio Lang, de trazer o pensamento para o cinema, coisa que com o tempo foi ficando um pouco estranha e muito mais do território da literatura. Lang tinha planos, inclusive, de utilizar uma outra atriz para falar os pensamentos da personagem, mas Bennett ficou chateada com isso e implorou para que ela mesma fizesse.

Na trama, Bennett (trabalhando com Lang pela quarta e última vez) é uma jovem mulher rica que conhece um homem no México por quem logo se interessa e se apaixona. O homem, Mark, vivido por Michael Redgrave, é arquiteto e editor de uma revista. Inclusive, isso é a única coisa que ela sabe dele, e mesmo assim aceita se casar com ele lá mesmo, em uma igreja pequena no México, onde passam a lua de mel. É lá também que ela começa a sofrer com as inconstâncias dele.

Eles estão passam a morar na casa dele em Lavender Falls. Só lá ela descobre que ele já foi casado (agora é viúvo) e tem um filho adolescente. Mais coisas vão se revelando do personagem, como sua obsessão por quartos que serviram de cenário para assassinatos famosos. Tanto que ele reconstitui essas cenas em vários quartos de sua casa. E isso foi algo que ela só foi descobrir em uma festa em que ele mostrou com todo o entusiasmo a sua mansão/museu de horrores.

Aos poucos o filme vai diminuindo o tom de melodrama e ganhando mais suspense e tensão, aproximando-se do horror em determinado momento, quando a protagonista se vê ameaçada de morte pelo próprio marido. A fotografia barroca de Stanley Cortez, que sabe lidar muito bem com as sombras, e a música de Miklós Rózsa ajudam a construir esse cenário de pesadelo.

A paquera com a psicanálise freudiana era moda nos anos 1940 e Lang surfa na onda com este filme. Pena que a conclusão não seja muito satisfatória. O próprio diretor, em entrevista a Peter Bogdanovich, disse que achava ridícula a "cura" do personagem de Redgrave no final. Tão rapidamente ele deixa de ser um psicopata prestes a estrangular a esposa com o cachecol para logo ser "curado" por ela, bastando algumas palavras mágicas para que fosse embora seu trauma de infância etc.

Ainda assim, é um filme com imagens e momentos fascinantes que ficam guardados em algum canto da memória, como lembranças escondidas no subconsciente, dado seu aspecto tão etéreo, tão pouco material.

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