quinta-feira, maio 29, 2008

A VIA LÁCTEA



Quando escrevi a respeito de MUTUM, comentei sobre o aumento na quantidade de diretoras no cinema nacional recente. CHEGA DE SAUDADE, de Laís Bodansky, é outro exemplo e é uma pena que o filme já tenha saído de cartaz de Fortaleza sem que eu pudesse ter tido a chance de vê-lo no cinema. Sem querer soar sexista, para um país que só tinha praticamente a Ana Carolina como exemplo, até que estamos evoluindo. A VIA LÁCTEA (2007) é o segundo longa-metragem de Lina Chamie, que estreou com o premiado TÔNICA DOMINANTE (2000). E por mais que muitos digam que A VIA LÁCTEA não é um bom filme, eu sentia uma atração pelo tema do homem apaixonado em busca da mulher amada pelas ruas engarrafadas de São Paulo, pelo fato de essa mulher ser interpretada pela Alice Braga, e porque o cartaz do filme é bem atraente: Alice abraçando de maneira carinhosa e protetora um homem desolado (Marco Ricca). Ao fundo, o céu azul acinzentado de São Paulo. Digamos que foi amor ao primeiro cartaz. O trailer também é atraente. E por isso, dou meus parabéns ao pessoal responsável pelo marketing do filme. Quanto ao filme em si, é mesmo decepcionante, embora tenha os seus aspectos positivos.

Em seu primeiro curta-metragem, EU SEI QUE VOCÊ SABE (1995), Lina Chamie já havia homenageado o poeta Manuel Bandeira. E faz o mesmo, ainda que de maneira mais discreta em A VIA LÁCTEA, embora no longa isso pareça pretencioso, ainda mais quando nossas expectativas em relação ao filme vão aos poucos definhando ao longo da projeção. Ainda assim, as boas performances de Ricca e Alice contribuem para um afeiçoamento aos personagens, fazendo-nos torcer para que o personagem dele chegue ao seu destino final, num trânsito infernal que parece não ter fim. Na verdade, da maneira que o filme foi editado, já vamos percebendo aos poucos o destino final do personagem de Ricca, de nome Heitor. Na trama, ele, um escritor de meia-idade, tem um relacionamento com uma jovem de vinte e poucos anos de nome Júlia. Ele gosta de ficar em casa; ela adora sair para dançar. É um tipo de relação muito comum até porque certas mulheres têm mesmo atração por homens mais velhos, os mais novos não sendo para elas suficientemente maduros ou interessantes. Mas surge esse problema do desejo de sair e de se aventurar, típico de quem ainda não atravessou a faixa dos trinta anos. E esse conflito acabou gerando uma discussão boba e de ciúme da parte de Heitor, que se acha em situação de desvantagem em relação aos rapazes da idade de Júlia. E é depois dessa discussão que ele resolve sair de casa e ir até a casa dela, antes que seja tarde demais e ela saia com um de seus rivais.

No meio dessa trajetória, entramos em contato com pedaços do passado dos dois. De quando eles se conhecem no teatro numa peça de Zé Celso, de quando eles se entreolham numa biblioteca e ele lhe dedica um poema - o que me pareceu algo ao mesmo tempo bonito e ultrapassado -, ou de quando ele deseja pedir-lhe em casamento e ela se mostra indecisa. Ou talvez simplesmente não queira, não esteja preparada ainda. Mas isso são questionamentos pouco válidos, já que a certa altura os flashbacks vão se misturando com situações possíveis do futuro ou situações imaginadas, fruto da mente perturbada de Heitor e o que é real se mistura com o que é delírio. Como na cena em que um dos possíveis pretendentes de Júlia aparece no trânsito comprando um buquê de flores, provavelmente para ela. Em outro momento, como num sonho ruim, Heitor atropela um cachorro e tenta ajudá-lo, levá-lo para um veterinário. Nesse momento, o que representaria o menino correndo? E apesar de o filme ter momentos interessantes e de captar a angústia, a ansiedade e o desespero do protagonista no meio de tantos carros e semáforos e de estabelecer elos de ligação com certos filmes que lidam com a morte, A VIA LÁCTEA me pareceu, de certa forma, morno. Pelo menos a personagem de Alice Braga, com todo seu encanto, parece justificar o sentimento de perda e de sacrifício do protagonista.

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