domingo, setembro 10, 2023

LOBO E CÃO



Na última quinta-feira, dia 7 de setembro, saí com a Giselle e a intenção era vermos a cinebiografia ANGELA, de Hugo Prata, que estaria em cartaz no Centerplex Via Sul, um dos cinemas mais distantes de nossas casas. Ao chegarmos lá, porém, um problema com a cópia (ou algo parecido) impossibilitou a sessão. Ficamos lá nos questionando sobre que outra opção ver. Sugeri A FREIRA 2, no UCI Iguatemi, cinema mais próximo dali, e mesmo ela não curtindo o gênero terror, topou. Considerei um gesto de amor. Inclusive pelo fato de ser um filme que não tinha nada para ser bom. 

Eis que, ao chegarmos lá, a fila estava muito grande para dar tempo de pegar a sessão legendada. Até fiquei um pouco na fila, mas concordamos que era melhor sairmos dali e sugeri irmos ao Cinema do Dragão. MIRANTE teria sessão às 18h40. Seria tranquilo, sem pressa, tomaríamos um café e conversaríamos à vontade. Acontece que errei na leitura da tabela no Instagram e só soube disso ao chegar à bilheteria e a moça dizer que o filme não passaria naquele dia, só no seguinte. Não sei se posso culpar Mercúrio retrógrado, mas, enfim, ficamos mais um pouco e ela ainda topou esperarmos até às 20h para pegarmos a sessão de LOBO E CÃO (2022), de Cláudia Varejão.

Ou seja, passamos num só dia por três espaços diferentes e percebemos o quanto o Cinema do Dragão, e todo o complexo, o Centro Cultural Dragão do Mar, é um ambiente muito mais amigável, democrático, com uma energia toda especial recheada de afeto e sentimentos positivos. Eu e Giselle, na primeira encarnação de nosso namoro, inclusive, na virada do milênio, quando o cinema ainda era um Espaço Unibanco, já tínhamos uma relação de proximidade com aquele espaço. 

E depois de muito papo agradável e de nos presentearmos com a companhia um do outro, fomos ver um filme sobre amor. Um filme de amor, mas também de amadurecimento juvenil. É também uma obra queer, e talvez por isso mesmo seja tão contaminada por esse enfrentamento de obstáculos e essa compreensão maior de que a sociedade precisa ter não apenas tolerância com os diferentes, mas amor mesmo por eles. (Recentemente, inclusive, ao ver o documentário PARA ONDE VOAM AS FEITICEIRAS, percebi mais uma vez o quanto as pessoas LGBTQIA+ têm para nos ensinar sobre amor.)

Quanto ao filme, achei que LOBO E CÃO era o primeiro de Cláudia Varejão a aportar por aqui, mas vi que AMA-SAN (2016) também chegou a ser lançado em nossas salas – no Cinema do Dragão, inclusive. A questão é que LOBO E CÃO é o primeiro filme de ficção da cineasta, que antes havia feito apenas documentários, e é muito mais envolvente que o anterior. As cenas "documentais" funcionam de maneira tão orgânica junto à ficção que até me esqueci de notá-las, embora tenha percebido os rostos mais carregados de luta que me lembraram os filmes do Pasolini. O visual obtido com equipamento analógico (que fotografia linda, a de Rui Xavier!) também faz a diferença no que vemos, na beleza de cada quadro. A opção pela janela “clássica” (de 1,33:1) traz tanto charme quanto a necessidade de focarmos mais nos indivíduos, de valorizar os close-ups.

O filme nos apresenta principalmente a duas pessoas que se sentem deslocadas no lugar em que vivem. Ana (Ana Cabral) se descobre lésbica; seu amigo Luís (Ruben Pimenta) procura explicitar sua sexualidade naquela ilha tão tradicional e tão católica. (A propósito, que cena bonita, a de Ana conversando com o padre da igreja sobre os seus quereres.) Está em Ana o melhor do filme, as cenas mais sensíveis, com seu sorriso surgindo ao se ver feliz ao lado de outra moça numa festa, uma amiga que viera do Canadá.

E há algumas canções que chamam a atenção. A deliciosa "Que Venha Depressa a Noite" antecipa um momento especialmente feliz das duas moças. Como o filme estende bastante o momento do beijo, gerando cera tensão, quando ele chega, o contentamento é imenso. Outra coisa que o filme apresenta muito bem são os sentimentos contraditórios que os jovens queer nutrem pela religião católica. O catolicismo é apresentado no filme com essa dualidade: tem a beleza da tradição e da devoção e é também ferramenta de prisão, limitação. O fato de a história se passar numa ilha, a ilha de São Miguel, no arquipélago de Açores, não é gratuito. E os jovens, ao mesmo tempo que se sentem enclausurados, tendo como válvula de escape seus encontros noturnos, procuram fazer o caminho inusitado de integrarem uma procissão. 

E esse talvez seja o caminho que o filme encontra mais próximo de uma inclusão, por mais que o encerramento dessa trajetória dos dois personagens se dê de fato em saírem da ilha e viverem uma nova vida. A diretora, inclusive, ainda nos brinda com outra canção muito simbólica de despedida, a clássica “Porque Te Vás”, performada aqui pelo duo belga Vive la Fête. A canção, eu conheci primeiramente pela gravação do Pato Fu, mas ela aparece também em CRÌA CUERVOS, de Carlos Saura, filme, aliás, que eu me devo ver desde o comecinho de minha cinefilia. Mas isso já é outra história.

+ DOIS FILMES

LUZ NOS TRÓPICOS

Ver LUZ NOS TRÓPICOS (2020) é uma experiência única e se o filme não fosse tão longo e a vida tão curta eu arriscaria vê-lo novamente em busca de novas percepções. Em certos momentos, o filme funcionou muito bem para mim; noutros, nem tanto. Ao ver a beleza das águas e das árvores fiquei pensando no quanto o cinema, além de estar quase sempre adotando um pensamento eurocêntrico, também não se preocupa em mostrar a exuberância da natureza e a riqueza dos povos que contribuem para sua manutenção. Não que essa seja exatamente a função ou o interesse de Paula Gaitán. Na verdade, eu saí da sessão mais com questionamentos (de escolhas e até de "narrativa") do que com o espírito iluminado. Há trechos repetidos sobre a aurora e o crepúsculo que me chamaram a atenção pela ênfase e sei que há um simbolismo importante frente à toda a jornada apresentada nas 4h19min de duração da obra.

EAMI

Desde o início senti dificuldade de me conectar com EAMI (2022), embora tenha admirado com frequência as imagens e o som, que chamam a atenção logo de cara. Fiquei o tempo todo pensando no quanto esse é um tipo de filme que necessita de um dia especial para ser apreciado, já que se trata de cinema-poesia, quando o que mais vemos é cinema-prosa. Desse modo, talvez saber um pouco mais sobre os povos Ayoreo-Totobiegosode e sua luta possa auxiliar na necessária conexão. Filmes sobre lutas de povos indígenas costumam sempre me deixar deprimido. No caso deste trabalho da diretora paraguaia Paz Encina, a opção por um registro mais poético e que exige mais do espectador acabará restringindo sua audiência. Não que isso seja um problema para a obra de arte em si. Apenas o é para seu alcance.

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