quinta-feira, setembro 28, 2023

NOSSO SONHO



Impressionante como alguns filmes batem forte na gente. E batem de múltiplas maneiras, às vezes, como é o caso de NOSSO SONHO (2023), a cinebiografia de Claudinho e Buchecha, dirigida por Eduardo Albergaria. Vi o filme no sábado, numa sessão com pouco público para uma obra com personagens tão populares de nosso cancioneiro, e só não voltei para casa em prantos, pois não queria passar muita vergonha. A Giselle, que estava comigo na sessão, já havia percebido o quanto eu chorava, especialmente nos 30 minutos finais, e estava lá para me dar aquele apoio. Até levei o filme para minha sessão de terapia na segunda-feira, sem conseguir expressar verbalmente tudo o que senti. Os dois eixos principais me fizeram lembrar imediatamente de duas pessoas importantes que não estão mais em nosso plano de existência: meu grande amigo Santiago, quando o filme aborda a amizade; e meu pai, quando trata de uma questão paterna de Buchecha.

NOSSO SONHO tem um quê de fábula, e isso vai se evidenciando à medida que se aproxima de sua conclusão. Quem não conhece nada da história da dupla vai se impressionar ainda mais com as surpresas. O diretor opta por se distanciar um pouco do realismo, embora as interpretações sejam naturalistas. Quem viu LEGALIZE JÁ – AMIZADE NUNCA MORRE, que conta a gênese da amizade e da construção musical de Marcelo D2 e Skunk, vai encontrar no filme de Albergaria uma espécie de espelho. Mas diria que NOSSO SONHO é ainda mais interessante do ponto de vista narrativo, visual e das escolhas temáticas. E há o mistério. Um mistério que ronda o personagem de Claudinho, cuja família não é tão apresentada quanto à de Buchecha e, portanto, dá ao personagem um ar mais etéreo, mais próximo de um anjo. Nisso, a semelhança com o Skunk em LEGALIZE JÁ... se explicita.

Mas não se trata apenas de termos um personagem do mundo real ganhando ares fantásticos. Muitas cenas e cenários causam uma bem-vinda estranheza, como as próprias cenas dos shows da banda, mostrados sem muita intenção de trazer realismo, mais próximos de um sonho. A própria brincadeira dos dois de chegarem a uma gravadora usando um orelhão comunitário (cena bem engraçada, aliás), sem o intermédio de um empresário, deixa claro o interesse do realizador em acentuar certos aspectos, e deixar de lado outros, como os interesses amorosos dos rapazes ou a própria relação mais profissional dos artistas. O mais importante está na força da amizade, na influência decisiva e quase mágica de Claudinho na criação da ideia da dupla e no problema de alcoolismo do pai de Buchecha, que tanto o incomoda, e afeta o relacionamento dos dois.

Sobre a amizade da dupla, há um flashback mais distante, da infância dos garotos, em que um simples gesto é mostrado com tanto amor e carinho que é difícil não se enternecer: o momento do abraço dos dois. O abraço, esse gesto capaz de desarmar, não é apenas essencial nesse momento: ele terá uma ligação com uma das últimas cenas do filme. Os dois atores, Juan Paiva no papel de Buchecha (e também narrador), e Lucas Penteado no papel de Claudinho, transmitem a alegria que ficou marcada nas apresentações da dupla.

Grato fiquei pelas lágrimas, pelo carinho, pelo mistério e pelo amor recebido. No mais, nunca mais ouvirei a canção “Fico Assim sem Você” da mesma maneira. Ela passará a ser uma dessas criações musicais mágicas, legítima herdeira do pop de Lulu Santos, mas com algo de sombrio em seu tom profético.

+ DOIS FILMES

ELIS & TOM – SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ

Por alguns momentos, fiquei me perguntando se o formato tradicional, com entrevistas emoldurando o principal, que são as imagens riquíssimas de Elis e Tom em 1974 em Los Angeles, principalmente em estúdio, não atrapalharia o que já era perfeito. ELIS & TOM – SÓ TINHA QUE SER COM VOCÊ (2022), de Roberto de Oliveira, seria o nosso THE BEATLES – GET BACK. Mas é possível que "apenas" o material bruto (as filmagens de Jom Tob Azulay) não tenha sido suficiente para contar a história de modo compreensível para plateias maiores. Gosto de como ficou, gosto dos depoimentos dos convidados, entrecortando o principal, mas o que conta é mesmo o encanto de ver esses dois gigantes juntos. Eu nunca fiquei tão impressionado com a voz de Elis quanto neste filme (talvez por não ser íntimo do álbum, mas acompanhar a trajetória ajuda a perceber a evolução no canto dela). E Tom, com aquele quê de gênio egocêntrico e arrogante, se rende não apenas ao canto de Elis, mas até ao trabalho da equipe que ela traz consigo. Cada vez mais a década de 1970 vem sendo vista como a era mais rica da nossa música. Segundo eleição feita recentemente por centenas de críticos e profissionais de música, organizada pelo podcast Discoteca Básica, o álbum Elis & Tom ficou entre os 10 maiores da música brasileira.

SÃO MIGUEL ARCANJO  O ANJO MAIOR (Saint Michael – Meet the Angel)

O documentário segue uma estrutura bem tradicional e meu interesse maior foi conhecer um pouco mais da relação de adoração da Igreja Católica por Miguel, o Arcanjo. Na verdade, costumava estranhar o chamarem de "São Miguel", sendo ele um anjo e não um homem, mas hoje compreendo, levando em consideração que "santo" também tem o sentido de "divino", "sagrado". O documentário SÃO MIGUEL ARCANJO – O ANJO MAIOR (2022), dirigido por Wincenty Podobiński, não tem o tom didático que eu esperava (para o bem e para o mal), e traz um bom número de padres que comentam sua figura como o anjo vitorioso que combateu Satanás e venceu, e que é comumente invocado por muitos fiéis que se encontram em situação difícil - até mesmo necessitando de um exorcismo. Ah, gostei de o filme ter feito menção a Padre Pio, ainda que de maneira bem rápida, mas o suficiente para reacender em mim a vontade de ver a cinebiografia que Abel Ferrara dirigiu sobre o venerado sacerdote.

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