O irlandês Martin McDonagh já ganhou um Oscar de melhor filme: pelo curta-metragem SIX SHOOTER (2004), uma deliciosa comédia de humor negro, uma pequena obra-prima. TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (2017), seu mais novo filme, é o mais próximo que ele se aproxima de repetir o feito, desta vez numa categoria bem mais visada, a de longa-metragem. O que pode prejudicar um pouco o seu intento é que se trata do filme que mais divide opiniões dentre os nove indicados.
É fácil de entender. Afinal, em tempos como o nosso, é complicado você oferecer a um policial racista uma oportunidade de se tornar um pouco simpático ou de ganhar alguma redenção. Dizer isso, aliás, é um pouco estragar o filme para quem ainda não o viu e por isso a minha recomendação é não ler nada sobre a história de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME. Trata-se de um filme cujas surpresas na trama são várias e excitantes, justamente por fugirem do que estávamos esperando.
O que o filme vende é a história de uma mulher que alimenta um ódio terrível devido a um fato bem justificável: a morte e estupro de sua filha adolescente. Ela tem a ideia de alugar três outdoors situados em uma rota onde passam poucos carros para reclamar do xerife da cidade (Woody Harrelson) sobre a total falta de eficiência da polícia em prender ou mesmo identificar o estuprador assassino. Pelo que ela diz, a polícia arranja tempo para bater ou torturar negros, embora isso não seja exatamente mostrado no filme, mas não tem tempo de pegar o criminosos. A personificação da polícia racista aparece na figura do personagem de Sam Rockwell.
Um dos fatos curiosos de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que não há personagens que nós amemos ou criemos alguma afeição. Mesmo a heroína é muito antipática, além de preconceituosa, como podemos ver nas cenas com Peter Dinklage. Mas aí acontece algo que muda tudo: a morte do xerife e as cartas que ele deixa para algumas pessoas. As cartas, mais do que os anúncios, serão as responsáveis pelas grandes viradas na história e no modo como os personagens passam a ver a própria existência. Principalmente o policial idiota racista, que, simbolicamente, precisa passar pelas chamas do inferno para tentar buscar um caminho melhor. Ajudam também as palavras do xerife, que afirmam que ele, no fundo, é um homem bom. A cena no hospital, junto com o homem que ele havia quase matado, é uma das mais poderosas do filme.
O que confunde em TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que McDonagh parece cínico demais para vender uma história aberta sobre redenção e perdão, próximo de um sermão cristão. Mas ao mesmo tempo parece correto de se fazer nos dias de hoje. Se fosse diferente, certamente o filme seria acusado de ser excessivamente melodramático e até anacrônico. Nos dias de hoje não temos mais um Frank Capra.
Mas temos ainda, viva e forte, a herança do cinema dos irmãos Coen, que é com quem McDonagh vem sendo comparado. A principal diferença aqui é que temos um diretor irlandês falando de algo que talvez não conheça muito, os Estados Unidos. Mas isso nunca foi exatamente um problema em Hollywood, terra de tantos estrangeiros, foi? Nem é preciso citar nomes.
Em tempos de muita raiva espalhada em todo o mundo por causa do atual cenário político e social, um filme raivoso, mas que também prega o perdão, mesmo que de uma maneira doentiamente torta e violenta, não deixa de ser bem-vindo.
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME recebeu sete indicações ao Oscar: filme, atriz (Frances McDormand), ator coadjuvante (Sam Rockwell), ator coadjuvante (Woody Harrelson), trilha sonora original, roteiro (McDonagh) e montagem.
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