terça-feira, maio 12, 2009

JUNO AND THE PAYCOCK



Alfred Hitchcock começou no cinema falado com o pé direito: dirigindo o ótimo CHANTAGEM E CONFISSÃO (1929). Infelizmente a fase inglesa do diretor continuou bem irregular e o jovem mestre do suspense ainda não tinha a devida liberdade na produtora onde trabalhava, dirigindo com frequência projetos de encomenda. Sem falar que na aurora do cinema falado, tanto Hitchcock quanto os demais cineastas tinham que lidar com as limitações do novo sistema. Ainda não era possível fazer mixagem de som ou dublagem. O som era captado "ao vivo" mesmo. Assim, em determinada cena de JUNO AND THE PAYCOCK (1930), onde vemos uma família ouvindo um gramofone, Hitchcock comentou em entrevista a Peter Bogdanovich que, para fazer essa cena, uma pessoa teve que prender o nariz e fazer voz nasalizada para passar a ilusão de que o som estava saindo do jurássico toca-discos.

JUNO AND THE PAYCOCK traz uma trama que gira em torno dos problemas de uma família irlandesa pobre em Dublin. O filme mostra com tom de humor (e posteriormente de tragédia) as dificuldades que eles enfrentam e a maneira como o Capitão Boyle, o patriarca da família e o homem que foge do trabalho como o diabo da cruz, tenta enfeitar o passado. Capitão Boyle e sua esposa rotunda Juno têm dois filhos: uma moça bonita e triste e um rapaz que perdeu um braço numa luta dos irlandeses contra os ingleses. O rapaz vive deprimido pelos cantos da casa e sua presença é carregada de certa morbidez. Uma reviravolta acontece quando um jovem advogado, forte candidado a namorado da moça, aparece com a notícia de que o Capitão Boyle herdará um bom dinheiro de uma herança.

Infelizmente o filme passa a impressão de que Hitchcock não estava mesmo interessado em filmá-lo. Sente-se essa falta de interesse no ar. E ele confirma isso em entrevista a François Truffaut. Interessante que JUNO AND THE PAYCOCK foi bastante elogiado pela crítica britânica na época de seu lançamento. Mas os elogios se devem mais à sua natureza literária ou teatral e pelo desempenho do elenco do que por suas qualidades cinematográficas, já que em poucos momentos o filme consegue ser mais do que uma peça filmada. Um desses momentos, porém, chega a ser memorável. Ele acontece quando Hitchcock aproxima a câmera do rosto do filho de Juno e do Capitão Boyle, assim que ele ouve, durante uma conversa na família, alguém falando sobre crimes e morte. É como se apenas naquele momento, Hitchcock finalmente se interessasse pelo filme. A câmera vai se aproximando vagarosamente do rapaz, como acontece, por exemplo, na famosa cena do "despertar da besta" de O PODEROSO CHEFÃO, quando Coppola aproxima a câmera de Al Pacino e revela o dom de liderança e sede de sangue de Michael Corleone. Nesse momento de JUNO AND THE PAYCOCK, Hitchcock solta sua verve e mostra porque suas obsessões por crimes e morte são tão fortes a ponto de fazerem a diferença até em filmes que não lidam diretamente com isso.

A cópia que eu peguei do filme era bem ruim, cortando as cabeças dos atores em diversos momentos. Deve ter sido algum problema de telecinagem, já que eu duvido muito que Hitchcock tenha filmado dessa maneira. Seria o cúmulo do desinteresse.

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