quarta-feira, agosto 24, 2005

SANGUE DE PANTERA (Cat People)



Em 1995, com as festividades por ocasião dos 100 anos do cinema, foram produzidos vários documentários em diferentes países abordando a história do cinema. Como era de se esperar, o documentário maior e mais rico veio dos EUA, sob os cuidados de ninguém menos que Martin Scorsese. O documentário se chama UMA VIAGEM PESSOAL PELO CINEMA NORTE-AMERICANO e de vez em quando dá vontade de revê-lo. Nele, Scorsese cita os filmes que mais o marcaram. Um dos que mais me chamou a atenção foi SANGUE DE PANTERA (1942), de Jacques Tourneur, filme que mais tarde seria refilmado (ou reinventado) por Paul Schrader, aqui se chamando A MARCA DA PANTERA (1982). Agora é possível ver SANGUE DE PANTERA em DVD nacional.

SANGUE DE PANTERA não é apenas um filme de Tourneur. A figura do produtor Val Lewton é tão ou mais importante que a do próprio realizador. Lewton é uma figura tão mítica que chegou a inspirar - junto com Orson Welles - o personagem principal de uma obra-prima de Vincent Minelli, ASSIM ESTAVA ESCRITO (1952). O curioso é que o filme surgiu a partir do título, quando o chefão da RKO pediu para Lewton fazer um filme chamado CAT PEOPLE. Acho fascinante essas histórias de Hollywood, em que grandes filmes surgem milagrosamente de idéias picaretas, de apenas um título ou mesmo de um cartaz. Na época, a Universal monopolizava os filmes de terror e os executivos da RKO queriam começar a entrar também nesse filão. A saída para a produtora era investir em um terror menos convencional, ligado a animais selvagens, por exemplo, já que os monstros clássicos já haviam sido explorados pela empresa rival. Daí surgiu a pantera do filme, que não deixa de ser uma variação dos filmes de lobisomem.

A história de SANGUE DE PANTERA é sobre uma mulher (Simone Simon) que diz ser amaldiçoada: uma vez que ela beija ou tem relação sexual com alguém, ela se transformaria numa pantera. Por isso, seu casamento vai pro brejo. O marido sente-se sexualmente atraído por ela, mas ela nega fogo. Como o filme é bastante sutil em explicar a maldição da moça, no começo a história fica parecendo um drama sobre uma mulher frígida e a falência de um casamento. Depois de mais da metade do filme (ele só tem 72 minutos de duração), é que a trama ganha contornos de filme de horror, com as memoráveis cenas da piscina e da perseguição na rua, que havia sido mostrada em parte no documentário do Scorsese. Aliás, essa cena da rua é a minha preferida. Adoro quando as árvores se mexem e as trevas da noite parecem engolir a pouca luminosidade existente. Val Lewton acreditava que a tela escura era um de seus trunfos. Ele dizia que bastava uma tela bastante escura para o olho da mente ler qualquer coisa em qualquer direção que queira. Sombras, ruídos, passos e a imaginação do espectador ajudariam a implementar o clima de horror.

Para um filme B, SANGUE DE PANTERA foi bem caprichado. Ele teve técnicos especiais gravando sons de animais numa fazenda para utilizar como efeitos sonoros no filme; teve técnicos estudando os efeitos de reverberação para a cena da piscina, e uma atriz especializada em efeitos vocais foi contratada para criar sons de gato.

Dizem que SANGUE DE PANTERA nem é o melhor filme de Jacques Torneur. Na análise de Luiz Nazário, constante no DVD da Magnus Opus, ele cita A MORTA VIVA (1943) e O HOMEM LEOPARDO (1943), como bem melhores. O texto de Nazário é uma delícia. Quem lia a revista SET no passado lembra da ótima seção "Tempos Modernos", onde ele falava de filmes antigos.

SANGUE DE PANTERA recebeu uma continuação de nome A MALDIÇÃO DO SANGUE DA PANTERA (1944), dirigida por Robert Wise e Gunther von Fritsch.

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